Comissão propõe novos critérios para biocombustíveis na UE



Meses após a adoção da nova Diretiva para Energias Renováveis (RED II) em dezembro de 2018, a Comissão Europeia divulgou no mês de fevereiro a proposta de critérios para que biocombustíveis sejam contabilizados no cumprimento das metas de energia renovável da UE. Parlamentares e ONGs pressionam pela exclusão do biodiesel à base de soja e de óleo de palma das novas metas do bloco.

Conforme determinado na diretiva RED II, biocombustíveis de alto risco de alteração indireta no uso do solo, ou alto risco ILUC (indirect land-use change), serão gradualmente eliminados das metas de energia renovável dos estados-membros entre 2023 e 2030. Emissões ILUC ocorrem quando áreas agrícolas destinadas à produção de alimentos passam a ser utilizadas para a produção de biocombustíveis ou biomassa. Segundo a Comissão, isso pode resultar na intensificação da produção de alimentos em outras áreas ou expansão para áreas ainda não utilizadas para suprir tal demanda, podendo assim elevar indiretamente as emissões de gases de efeito estufa.

Apesar de trazer fortes incentivos à redução do uso de biocombustíveis considerados de alto risco ILUC no bloco, a diretiva RED II não continha critérios que permitissem classificá-los como tal. Esses parâmetros foram propostos somente no dia 8 de fevereiro pela Comissão.

Segundo os critérios apresentados, biocombustíveis de alto risco de alteração indireta no uso do solo seriam aqueles provenientes de culturas que tiveram 10% ou mais de sua expansão nos últimos dez anos em áreas de florestas ou outras “áreas de alto carbono”. Tal categorização exclui das metas de energias renováveis o biodiesel de óleo de palma, o qual tem sido alvo de fortes campanhas por parte de grupos da sociedade civil na UE que questionam a sustentabilidade da sua produção.

Biocombustíveis à base da soja permanecem fora da categoria de alto risco e não seriam suspensos de acordo com os critérios preliminares. Segundo consta na proposta da Comissão, 8% da expansão da soja desde 2008 ocorreu em áreas de floresta. No caso do óleo de palma, essa fração é de 45%.

Grupos demandam critérios mais restritos na classificação de risco

A proposta, porém, traz condicionantes que provocaram reações negativas de grupos que esperavam uma posição mais restritiva por parte da Comissão. A não-exclusão do biodiesel à base de soja das metas de energia renovável foi fortemente criticada por parlamentares dos Comitês de Comércio Internacional (INTA), de Meio Ambiente (ENVI) e de Indústria, Pesquisa e Energia (ITRE) do Parlamento Europeu, além de ONGs.

Em comunicado, a ONG T&E “deplora que a Comissão tenha arbitrariamente isentado a soja – maior contribuidor com desmatamento no mundo – da categoria de alto risco ILUC”. Em debates no Parlamento com representante da Comissão, parlamentares também demostraram insatisfação com os parâmetros apresentados. A eurodeputada Tilly Metz (Verdes, Luxemburgo) afirmou que a Comissão estaria “se recusando” a lidar com a questão da soja, que segundo ela “emitiria mais gases de efeito estufa do que combustíveis fósseis”. Metz afirmou esperar que a Comissão apresente uma nova proposta que não apenas “mantenha o status quo”. O eurodeputado neerlandês Bas Eickhout (Verdes) sugeriu que o limite de 10% proposto pela Comissão estaria relacionado às tratativas da Comissão com o presidente americano Donald Trump sobre compra de soja americana.

O representante da Comissão, Hans Van Steen, em debate com parlamentares afirmou considerar a soja um caso “completamente diferente” do óleo de palma, uma vez que não estaria ocorrendo expansão em áreas de alto estoque de carbono. Segundo Steen, a Comissão acompanhará novos desdobramentos de perto e revisará os critérios caso seja necessário. O representante negou também qualquer relação dos critérios com as tratativas com o presidente Trump.

No ano passado, no intuito de conter a escalada de tensões através do Atlântico seguindo a imposição de tarifas sobre aço e alumínio pelos Estados Unidos, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, negociou com Donald Trump o aumento das importações de soja e de gás natural liquefeito do país, além de se comprometer a negociar um acordo em bens industriais. Ainda antes da publicação dos critérios da RED II, a Comissão reconheceu o rótulo U.S. Soybean Sustainability Assurance Protocol (SSAP), como garantia de conformidade com a diretiva.

“Lacunas” nas novas regras são alvos de críticas

A proposta também traz exceções que foram mal recebidas por stakeholders que apoiavam a efetiva exclusão do óleo de palma. Conforme o documento, são permitidas exceções nos casos em que a matéria prima é produzida por pequenos produtores ou em áreas não utilizadas, incluindo terras abandonadas e solos degradados.

A UE é a segunda maior importadora de óleo de palma bruto, do qual a maior parte é destinada à produção de biocombustíveis. Para a associação que representa produtores europeus de etanol renovável, a ePure, as exceções “violam o espírito da REDII” e deixam biocombustíveis de alto ILUC entrarem no bloco “pela porta da frente”. A Copa-Cogeca, organização que representa agricultores europeus, também criticou a medida de maneira contundente. Segundo a organização, não há garantias de que pequenos produtores de óleo de palma não estejam associados ao desmatamento.

Próximos passos

A proposta com os novos critérios está aberta a comentários do público por um período de quatro semanas, que se encerrará em 8 de março. Em seguida, grupo de experts dos estados-membros tomarão um posicionamento final. Uma vez adotado pela Comissão, os estados-membros e o parlamento europeu terão dois meses para aprovar ou vetar o ato de execução, mas não podem apresentar emendas.