Insegurança alimentar: iniciativas europeias para oportunidades na África



A eclosão da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro deste ano, desestabilizou o comércio internacional de alimentos criando incertezas quanto à segurança alimentar de diversos países, sobretudo daqueles que dependem das importações para a composição do seu consumo interno e produção agroalimentar. Isso porque tanto Rússia quanto Ucrânia são importantes produtores e exportadores de grãos, sobretudo trigo, e de fertilizantes. Esses dois países representam cerca de 30% do comércio mundial de trigo, e mais de 20% de alguns importantes insumos agrícolas, como o nitrogênio, amônia e fosfato.

Além de pôr em xeque estratégias europeias de redução das cadeias alimentares e a promoção da autonomia alimentar da União Europeia, o risco de ruptura nas cadeias agrícolas levou à criação de diversas iniciativas que visam, de formas individuais, reduzir os choques e a insegurança nos mercados de grãos e alimentos. Alemanha, Estados Unidos, França, Itália e Noruega são países que apresentaram planos estruturados de suporte às cadeias globais. A Organização das Nações Unidas detém um foro próprio de discussões para promoção da segurança alimentar, estabelecido desde 1974, que visa criar abordagens e soluções conjuntas para problemas compartilhados de interesse geral, o Comitê para Segurança Alimentar Global. Segundo o Secretário de Estado estadunidense, Anthony Blinken, a proliferação de iniciativas distintas não estaria criando o alinhamento necessário para otimização de recursos e de esforços de forma efetiva. Ainda de acordo com o político, uma coordenação sob alguma organização internacional teria potencial de trazer maiores ganhos reais.

Com relação às principais abordagens, o projeto alemão visa promover financiamentos especiais via Banco Mundial com o apoio do G7; os Estados Unidos têm aumentado suas contribuições ao programa de doações das Nações Unidos, o World Food Programme; e o governo italiano almeja liderar um diálogo entre países produtores do Mediterrâneo.

A proposta francesa, liderada pessoalmente pelo presidente Emmanuel Macron, está vinculada às organizações internacionais que combatem a insegurança alimentar, sobretudo o IFAD (International Fund for Agricultural Development), e tem o continente africano identificado como como foco de ação pela grande dependência internacional de commodities, como o milho e o trigo, e de fertilizantes para produção local. Para Maximo Torero, economista sênior no departamento de mercados agrícolas na FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura), as propostas de diferentes países podem ser complementares, já que abordam o problema a partir de ângulos diversos. Contudo, o presidente senegalês, Macky Sall, defende que quaisquer propostas encabeças por governos europeus sejam articuladas em convergência com o Banco Africano de Desenvolvimento, para que estimulem a produção no continente.

Em evento recente promovido pela ApexBrasil, em Bruxelas, sobre o desenvolvimento da agricultura sustentável, Ria Hulsman e Bezouma Koulibaly, pesquisadores da Holanda e de Burkina Faso, defenderam que a relação produção/hectare na África apresenta significativos déficits vis-à-vis a produção europeia ou sul-americana, e que a promoção de tecnologias e técnicas de produtividade seja uma das principais políticas adotadas.

Os mercados dos países africanos oferecem potenciais de exportação e de cooperação técnica para produtores e institutos brasileiros. Iniciativas como a do governo camaronês (que adotou uma política de substituição de importação de trigo utilizando farinha de mandioca, banana-da-terra e de batata-doce) ilustram a oportunidade de criação de diversificação de produtos/mercados, e de novas rotas comerciais em substituição àquelas tradicionais.