As Cadeias Globais de Valores e os desafios para os países que desejam fazer parte de um modelo de fragmentação da produção
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O padrão de comércio internacional transformou-se notavelmente nos últimos anos. As empresas hoje distribuem suas operações pelo mundo – desde o projeto dos produtos até a fabricação das peças, sua montagem e comercialização. É a chamada Cadeia Global de Valor (CGV), que começou a ser notada nos anos 60 mas que só ganhou corpo nos último 25 anos.
A aceleração e abrangência desse modelo de produção é atualmente tema central em qualquer debate sobre comércio global. A cada reflexão, novas questões aparecem. Afinal, quais os obstáculos que os países enfrentam quando ampliam sua participação nas CGV? Quais as vantagens e desvantagens, riscos e oportunidades dessa decisão?
A analista de negócios internacionais da Apex-Brasil Camila Meyer tentou responder a essas perguntas no seu trabalho de conclusão de mestrado em International Political Economy, realizado na University of Warwick, na Inglaterra. O mestrado foi possível graças aos recursos do programa de bolsas do governo britânico, o Chevening, e os resultados dos seus estudos foram apresentados em dezembro para os técnicos da Agência. O Blog da Apex-Brasil aproveitou a oportunidade e bateu um papo com a administradora.
O que é uma Cadeia Global de Valores?
O conceito de CGV é bem complexo. Ele é resumido em uma série de expressões, como internacionalização de produção, fragmentação da produção, cadeia de suprimentos, terceirização, etc. Mas para entender bem o conceito, basta pensar no processo de produção do i-phone. Ele tem o design e a marca originários dos Estados Unidos, mas seus componentes são produzidos em várias indústrias espalhadas em países como Alemanha, Japão, Coreia do Sul, China, etc. Basicamente é um produto que é feito separadamente em várias partes do mundo. É made in the world. A Cadeia Global de Valores diz respeito, então, a essa internacionalização da produção.
E esse processo tem volta? Depende da escolha das nações?
Analisando os estudos sobre o assunto, a conclusão que chegamos é que esse processo não só é irreversível, como ele vai se intensificar. O melhor monitor da Cadeia Global de Valores é o número de produtos intermediários que participam do comércio internacional. Hoje ele está em torno de 40%. Era 20% vinte anos atrás. E a previsão é que chegue a 60% nos próximos anos. Será cada vez mais comum um país utilizar os insumos de outro para transformá-lo e reexportá-lo como produto final. No futuro, dificilmente você encontrará um produto que foi feito 100% em um único país.
E a Cadeia Global de Valores apresenta vantagens ou desvantagens aos países?
Tudo depende de como o país entra nesse processo, em que posição ele se coloca na cadeia e se ele vai conseguir ascender nessa posição. Um caso clássico é o México, que tem uma integração muito forte com os Estado Unidos por causa do NAFTA. Essa relação, porém, ainda está num nível muito básico, porque as empresas mexicanas funcionam como maquiladoras no processo produtivo. Os Estados Unidos enviam um produto praticamente pronto para o México que, por sua vez, agrega muito pouco valor a esse produto antes de enviá-lo de volta para os EUA. Esse processo poderia gerar uma renda mais significativa para o México. A inserção de um país em uma cadeia deve estar inserida em uma estratégia de desenvolvimento e na elaboração de uma política industrial integrada com políticas públicas. Tudo deve ser bem planejado para que o resultado não seja o contrário do esperado. Muitos países, no afã de se tornarem mais competitivos, acabam adotando medidas que levam a um relaxamento das leis trabalhistas, das legislações ambientais e da cobrança de impostos.
Mas existem bons exemplos de aproveitamento das cadeias como impulsionadoras de desenvolvimento.
Sim. A China, por exemplo, atua em praticamente todos os setores da economia neste modelo de cadeia de valor e está conseguindo se posicionar bem nesse processo. Tanto que hoje ela não se sente mais pressionada por essa competição. Antes, o país era visto como uma nação cujo atrativo principal era a mão de obra barata. Com o crescimento econômico da China, a mão de obra encareceu e os chineses não estão preocupados com a migração dos investimentos para outros países. Eles querem manter o fluxo de investimento em outros setores que possam trazer mais renda e mais crescimento econômico para o país.
E para o Brasil? Participar de uma cadeia global de valor é um horizonte distante?
O Brasil tem uma baixa integração às cadeias globais de valor. Tem uma economia muito fechada, o que é uma das principais barreiras para esse processo se estabelecer. Também somos muito fortes em produção de commodites agrícolas e minerais, que não passam de insumos para outros países, o que nos coloca no andar de baixo da cadeia. Nesse sentido, precisamos aumentar nosso valor adicionado nas CGVs e integrar de forma mais efetiva nossa produção industrial e agrícola.
Mas tem setores no Brasil em que podemos vislumbrar alguma evolução no que diz respeito à inserção nas CGV?
Existem vários setores altamente competitivos que poderiam fazer parte de uma cadeia global de valor ou mesmo controlar uma. O Brasil tem uma base industrial robusta e diversificada. O setor aeronáutico, por exemplo, tem na Embraer uma empresa altamente competitiva e bem integrada às CGVs. Ela se insere em uma área que traz inovação, qualificação, tecnologia, mão de obra altamente qualificada, integração com áreas de pesquisa, fornecedores locais e internacionais, utiliza insumos importados e consegue fazer a integração de todo esse processo. Como esse exemplo, existem outras empresas internacionalizadas e que são líderes mundiais em seus setores, como a Marcopolo, que produz ônibus, a Weg, que fabrica motores elétricos, a Ambev, no setor de bebidas. A questão é como podemos ampliar casos de sucesso de empresas como essas. O primeiro passo é, realmente, não ignorar que as CGV existem e nos prepararmos para essa tendência que já domina mercados e os debates mais avançados da academia e das organizações internacionais.