UE rejeita negociar agricultura com os EUA e americanos ameaçam tarifas sobre automóveis



A Comissão Europeia vem resistindo à pressão por parte dos Estados Unidos para que produtos agrícolas sejam inclusos nas futuras negociações entre as partes, em um contexto de elevação da tensão em suas relações comerciais. Segundo o eurodeputado Bernd Lange (S&D, Alemanha), presidente do Comitê de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, diplomatas americanos teriam alertado para um futuro “trovão” em Bruxelas caso a UE não aceite as condições propostas pelo país.

A negociação com os Estados Unidos é parte de um esforço mais amplo por parte da UE, no sentido de evitar a imposição de tarifas de 20 a 25 por cento sobre automóveis e autopeças, aventadas pelo presidente americano Donald Trump. No último mês de julho, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, foi a Washington na tentativa de conter a escalada de tensões através do Atlântico. O encontro resultou na promessa de engajamento por ambas as partes na negociação de um acordo sobre bens industriais, à exceção do setor automotivo. A UE se comprometeu ainda a estimular a importação de soja e de gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos. Estes, por sua vez, comprometeram-se a não impor novas tarifas sobre exportações europeias de automóveis e autopeças enquanto as negociações estiverem em andamento.

Nos últimos meses, porém, oficiais americanos têm expressado insatisfação com o que consideram falta de progresso no diálogo comercial com a UE, além de questionarem o escopo previsto no encontro em Washington. Segundo declarou o Embaixador dos Estados Unidos junto à UE, Gordon Sondland, a expectativa do presidente americano é de que agricultura seja discutida ao final das negociações.

A Comissária europeia para o comércio, Cecilia Malmström, manteve, no entanto, que o escopo do diálogo comercial com o país seria bastante restrito. Segundo ela, o objetivo seria apenas discutir cooperação voluntária em setores específicos, como testes para equipamentos médicos. “O objetivo é diminuir tensões e evitar tarifas futuras […], não faremos um TTIP light ou um acordo de livre comércio”. Malmström mencionou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris como impedimento à conclusão do um acordo comercial. “Eu não acho que conseguiria um mandato para um futuro acordo de comércio sem o Acordo de Paris, e eu tampouco pediria por um”, afirmou Malmström.

O Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR), Robert Lighthizer, notificou o Congresso no último mês de outubro sobre a intenção de abertura de diálogo comercial com a UE. As negociações poderiam assim ter início em janeiro de 2019 – 90 dias após a notificação ao poder legislativo. De acordo com esse cronograma, porém, é necessário que o USTR publique os objetivos de negociação até o mês de dezembro, 30 dias antes do início das negociações.

Segundo Malmström, caso o USTR inclua agricultura nos seus objetivos de negociação, o exercício de determinação de escopo nem mesmo seria iniciado do lado europeu. Como consequência, a suspenção do diálogo poderia comprometer a “isenção” prometida por Trump acerca das possíveis novas tarifas no setor automotivo europeu.

A UE, porém, estaria pronta a retaliar caso suas exportações de automóveis e autopeças venham a ser prejudicadas. A Comissária afirmou que o bloco responderia elevando tarifas sobre produtos importados dos Estados Unidos. Segundo Malmström, a lista de produtos poderia incluir uma gama variada de linhas tarifárias. “Poderiam ser carros, poderia ser agricultura […] poderiam ser todos”, afirmou.

Para a Comissão Europeia, tarifas americanas são “salvaguardas disfarçadas”

Em maio deste ano, o presidente Trump solicitou ao Departamento de Comércio um parecer sobre a viabilidade de se aplicar tarifas de 20 a 25 por cento sobre as importações de automóveis e autopeças com base na Seção 232 do Trade Expansion Act de 1962. A legislação permite a imposição de tarifas comerciais após investigação e recomendação do Departamento de Comércio, tendo como base riscos à segurança nacional. O Trade Expansion Act foi utilizado para justificar as tarifas sobre aço e alumínio aplicadas pelo presidente Trump em março deste ano.

A investigação do Departamento de Comércio ainda não foi finalizada, mas oficiais da Comissão Europeia já afirmaram que poderão agir junto à OMC caso Trump prossiga com a aplicação de tarifas. O mesmo ocorreu recentemente com aço e alumínio. A UE – juntamente com China, Canadá, México, Noruega, Rússia e Turquia – solicitou a abertura de um painel na OMC no último mês de outubro para avaliar a legalidade das medidas aplicadas pela Casa Branca na importação de tais commodities. Em reunião do Órgão de Solução de Controvérsias, em 21 de novembro, a OMC decidiu acatar a abertura do painel que irá julgar a conformidade das medidas com as regras da organização.

Segundo a UE, as tarifas impostas por Trump com base na Seção 232 nada mais seriam do que “salvaguardas disfarçadas”. Em pronunciamento recente em Bruxelas, Maria Åsenius, chefe de gabinete da Comissária Malmström, defendeu a ação da UE na OMC. “Se eles podem decidir por eles mesmos que qualquer coisa é interesse de segurança nacional, não temos mais regras […] agora estão ameaçando tarifas sobre carros e autopeças, na próxima vez será o vinho francês”.