A defesa dos interesses brasileiros no processo de ”Brexit”



No referendo realizado em junho de 2016, a população britânica votou para que o Reino Unido se retirasse da União Europeia (UE), disparando o processo conhecido como “Brexit”. Desde então, as duas partes buscam, em Londres e Bruxelas, encontrar termos para um acordo que seja mutuamente aceitável.

Esse é um objetivo que se tem mostrado extremamente complexo, entre outros motivos pelo considerável grau de entrelaçamento da economia britânica à europeia. Esses laços se traduzem em uma complexa teia de regras e práticas consolidadas desde o ingresso do Reino Unido na UE, em 1973.

A maneira encontrada para organizar o processo negociador foi a de, em um primeiro momento, definir as condições da saída do Reino Unido da UE, regulamentando temas como os direitos dos nacionais de cada lado que vivem no território do outro. Esse acordo –  chamado  “Acordo de Retirada” – foi negociado entre a equipe do primeira-ministra britânica e os negociadores da UE. Atualmente, o Acordo de Retirada depende de aprovação no Parlamento britânico, que já o rejeitou em três ocasiões.

Em um segundo momento, após a aprovação do Acordo de Retirada, os dois lados comprometeram-se a negociar os parâmetros da futura relação entre Reino Unido e UE. Nessa negociação deverão ser acordados, entre outros, o grau de vinculação comercial da economia britânica à europeia. É onde deverá ser negociado se o Reino Unido pretende, entre diversas outras possibilidades, integrar a união aduaneira da UE ou não. Contudo, são tantas as incertezas hoje verificadas nas tratativas para a concretização do “Brexit” que é difícil prever quando, e em que termos, essa segunda fase negociadora se desdobrará.

No momento atual, a preocupação dos líderes europeus e do governo britânico é de ver resolvida a questão em torno do Acordo de Retirada. Na etapa mais recente, ocorrida em 11 de abril, os líderes europeus decidiram estender até 31 de outubro de 2019 o prazo para que o Reino Unido se retire da UE. Esse prazo, originalmente de 29 de março de 2019, havia sido estendido para 12 de abril.

Não há indicação clara do que poderá acontecer até 31 de outubro próximo. Para o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, essa prorrogação da data de saída “garante que todas as opções permanecem sobre a mesa, tais como a ratificação [pelo Parlamento britânico] do atual Acordo de Retirada, ou uma nova oportunidade para repensar o Brexit, se esta for a vontade do povo britânico”.

O que é certo é que a prorrogação do prazo de saída do Reino Unido da UE evitou, por ora, o chamado “no deal”. Esse cenário, caso ocorresse, geraria enorme incerteza não apenas aos britânicos e aos demais países, nacionais e empresas de estados membros da UE, mas igualmente a terceiros países, como o Brasil.

Por conta dos diversos tipos de impactos sobre interesses brasileiros, o governo vem acompanhando o desenrolar do processo do “Brexit” desde seu início. Há especial preocupação em salvaguardar nossos interesses comerciais no processo de divórcio entre UE e Reino Unido e igualmente de apoiar nossas empresas e nacionais nesse período de grande incerteza jurídica.

Desde Bruxelas, a Missão do Brasil junto à União Europeia monitora e analisa os desdobramentos políticos e econômicos das negociações do Brexit, com atenção aos efeitos sobre interesses brasileiros. É em Bruxelas que coletamos informações sobre as perspectivas do andamento desse processo, no qual as instituições da UE desempenham um papel central, juntamente com os estados membros da UE. A Missão informa, ainda, sobre todas as normativas adotadas pela UE que podem ter impacto direto para o Brasil, como é o caso do regulamento que entrará em vigor quando se concretize o “Brexit”, sobre o novo volume das quotas oferecidas pela UE para produtos agrícolas. As informações levantadas junto aos interlocutores em Bruxelas alimentam análises que preparamos sobre os potenciais efeitos dos diferentes cenários do “Brexit” sobre os interesses brasileiros.

Além da natural colaboração com a Secretaria de Estado, em Brasília, e demais órgãos do governo, a Missão atua em coordenação com a Embaixada em Londres e com a Delegação do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio, em Genebra—dois postos que também se situam na linha de frente da defesa dos interesses brasileiros no processo do “Brexit”.

A Delegação em Genebra está encarregada de conduzir as negociações de ajuste das quotas que caberão ao Brasil nos mercados da UE e do Reino Unido após o “Brexit”. No âmbito dos acordos da OMC, a UE se comprometeu a atribuir a países como o Brasil volumes de exportação de produtos como açúcar e carne bovina. Por conta do “Brexit”, a UE pretende reduzir os volumes das cotas oferecidas, a fim de refletir a saída do Reino Unido (que, por sua vez, terá seu próprio regime para a importação de tais produtos). As novas condições de acesso aos mercados comunitário e britânico serão o resultado de negociações que estão ocorrendo com cada parceiro que atualmente gozam de tais cotas.

A Embaixada em Londres, por sua vez, monitora o andamento e analisa os efeitos do “Brexit” desde a perspectiva do mercado britânico. Fruto recente desse trabalho é a publicação do documento “Plataforma sobre o Brexit”, no site www.investexportbrazil.gov.br, que compila as principais normas e procedimentos aplicáveis no território britânico caso se concretizasse o cenário de “no deal”, no qual o Reino Unido teria saído da UE sem um acordo que organizasse esse processo.

O “Brexit” é um processo único em diversos sentidos. É a primeira vez em que um estado membro decide sair da UE. Além disso, em função do peso econômico do Reino Unido, a 5a maior economia do mundo em 2018, deverá ser considerável o rearranjo das relações econômicas em um cenário no qual o Reino Unido atua autonomamente. Concretizando-se o “Brexit”, tanto a UE como o Reino Unido serão atores diferentes—e isso terá impactos também para o Brasil. Entretanto, o “Brexit” é um processo ainda em andamento e, por isso, seguimos acompanhando sua evolução para poder dimensionar as consequências específicas que afetarão o Brasil e nossos interesses.