BREXIT: COM CRONOGRAMA ATRASADO, NEGOCIAÇÕES SEGUEM SOB IMPASSE



A menos de seis meses do efetivo desligamento do Reino Unido da União Europeia, as negociações do Withdrawal Agreement, acordo que determina as condições de saída do país do bloco, ainda seguem sob impasse. Sem a garantia de um período de transição, preparações para um hard Brexit aceleram em ambos os lados do Canal da Mancha.

O cronograma das negociações do Brexit havia determinado como prazo para a conclusão do acordo de saída a cúpula do Conselho Europeu de outubro deste ano. O prazo foi calculado de modo a garantir tempo hábil para a ratificação do acordo antes de março de 2019, quando a UE efetivamente contará com um membro a menos.

No entanto, uma reunião de menos de uma hora entre os chefes negociadores, dias antes da cúpula, derrubou as esperanças em Bruxelas de que o prazo seria cumprido. A falta de entendimento teria mais uma vez prevalecido, segundo relatos de ministros presentes, impedindo que a Primeira-Ministra britânica Theresa May pudesse colocar algo de novo à mesa na reunião do Conselho Europeu.

Fronteira irlandesa permanece ponto-chave

O motivo do impasse é o chamado backstop para a fronteira entre a República da Irlanda (UE) e a Irlanda do Norte (Reino Unido). Este consiste em uma espécie de “plano B” exigido pela UE como garantia de que, independente do que ocorra nas negociações comerciais, uma fronteira física entre as Irlandas não seja reintroduzida.

Essa preocupação decorre do histórico de décadas de conflitos transfronteiriços na região, que chegaram ao fim em 1998, com o chamado Acordo de Belfast. Esse acordo colocou um fim ao controle de fronteiras, tornando o retorno de uma hard border uma opção politicamente inaceitável, tanto para a Irlanda quanto para o Reino Unido.

Para Bruxelas, porém, a saída do Reino Unido da união aduaneira torna necessária a reimposição de um controle de fronteiras na região, para permitir a fiscalização dos bens entrando no bloco. Para evitar que isso ocorra, o backstop proposto por Bruxelas consiste em uma proposta de permanência da Irlanda do Norte na união aduaneira europeia, e em parte, do mercado único.

Theresa May descreveu a ideia como sendo inaceitável. Membros do Partido Democrático Unionista da Irlanda do Norte (DUP), de cujo apoio May depende para manter a maioria no Parlamento Britânico, rechaçaram qualquer acordo que crie divergência regulatória entre a Irlanda do Norte e o restante do Reino Unido.

Westminster busca, portanto, uma solução que permita ao país sair da união aduaneira sem tornar necessária a imposição de controle de fronteira na Irlanda. A UE tem se mostrado cética quanto à viabilidade dessa ambição.

Em julho deste ano, Theresa May propôs uma nova proposta de backstop, a qual manteria o Reino Unido parcialmente alinhado aos regulamentos do mercado único europeu no comércio de bens. Conhecido como Chequers Plan, a proposta incluiria também uma “parceria aduaneira”, segundo a qual o Reino Unido recolheria tarifas de importação pela UE para bens que tenham o bloco como destino final.

O plano de May foi recusado pelo negociador chefe europeu, Michel Barnier, que considerou a proposta uma ameaça à integridade do mercado único e ao controle de fronteiras da UE. Em Londres, o plano de May também gerou forte desagrado entre os mais conservadores apoiadores do Brexit. Boris Johnson, então Secretário de Assuntos Exteriores, e David Davis, que à época comandava as negociações do Brexit, pediram demissão logo após a publicação do plano. Para eles, o alinhamento regulatório do Reino Unido com a UE, mesmo que parcial, seria inaceitável pois impediria a autonomia do país em sua futura política comercial.

Dada a insatisfação com as negociações dentro do próprio governo britânico, analistas alertam para o risco de que um eventual acordo seja rejeitado em Westminster, tornando o hard Brexit um resultado provável. Nos últimos meses, tanto o governo britânico quanto a UE passaram a publicar notas técnicas e análises a fim de instruir setores da economia em sua preparação para um cenário de desligamento abrupto.

Setor automotivo seria o mais exposto no cenário hard Brexit

As implicações comerciais de um cenário hard Brexit não são triviais para as economias envolvidas. Em termos de política comercial, por exemplo, o Reino Unido seria sumariamente excluído dos mais de 40 acordos comerciais do qual faz parte atualmente como membro do bloco europeu. O país defende a possibilidade de fazer prolongamento (roll-over) desses acordos após o Brexit, mas para isso seria necessário um acordo de saída. Ademais, alguns analistas preveem que haveria uma série de complicadores nessa estratégia, como as regras de origem a partir do momento em que Reino Unido e União Europeia sejam considerados jurisdições distintas na determinação da nacionalidade de bens.

Em um cenário hard Brexit, as tarifas da OMC, conhecidas como tarifas Most-Favoured Nation (MFN), se aplicariam. A tarifa MFN média da UE que se aplicaria ao Reino Unido seria de 2,8%, sobre um volume de 186 bilhões de euros importados pelo bloco. Já no Reino Unido, a tarifa média seria de 3,6% sobre os 294 bilhões de euros importados da UE pelo país. No total, empresas britânicas estariam pagando 10,5 bilhões de euros em tarifas comerciais, e empresas europeias 5,1 bilhões

Em termos setoriais, desses 5,1 bilhões de euros a serem pagos por empresas europeias, 4,6 bilhões seriam no setor automotivo, sendo 2 bilhões apenas do setor automotivo alemão. Da mesma forma, das tarifas pagas nas exportações britânicas no caso de um hard Brexit, um terço se concentrará no setor automotivo.

Apesar das possíveis perdas, empresas europeias têm mantido clara a prioridade dada à integridade do mercado único em detrimento do acesso preferencial ao mercado britânico. Pesquisa recente feita pela Associação das Câmaras Europeias de Comércio e Indústria (Eurochambres) com mais de 500 empresas europeias, demonstrou esse posicionamento como prevalente em mais de 80% dos empresários.