Comissão publica plano para estimular a produção de soja na EU



A Comissão Europeia publicou no último dia 22 de novembro relatório sobre o desenvolvimento de proteínas vegetais na Europa. O documento avalia o potencial do bloco em aumentar sua produção doméstica de culturas como soja, lentilhas e sementes de girassol, com vistas a reduzir a dependência do bloco na importação de tais insumos.

Segundo o documento, a dependência da UE em importações varia entre diferentes produtos. No cultivo de canola, a produção europeia atende a 79% da demanda, enquanto em sementes de girassol essa parcela é de 42%. Já para soja a produção doméstica corresponde a apenas 5% do consumo interno, sendo os principais fornecedores o Brasil, a Argentina e os Estados Unidos. Para o Comissário europeu para agricultura, Phil Hogan, o relatório servirá como referência para discutir quais caminhos o bloco poderá adotar para expandir sua produção interna.

Entre as propostas do relatório de como encorajar a maior produção de proteínas vegetais na UE estão subsídios incorporados à Política Agrícola Comum; o aumento da competitividade por meio de pesquisa e inovação; o desenvolvimento de ferramentas de monitoramento de mercado; a promoção dos benefícios de proteínas vegetais; e a criação de uma plataforma online com vistas a encorajar a troca de boas práticas agrícolas.

Atualmente, 93% da soja importada pelo bloco é destinada à produção de rações convencionais. O relatório identifica, porém, oportunidades para a soja produzida no bloco nos setores de ração premium (e.g. orgânico, não geneticamente modificado) e no setor de alimentos. Este último estaria apresentando crescimento de dois dígitos, estimulado sobretudo pelo aumento da demanda por alternativas à base de soja para a carne e os laticínios.

A proposta gerou reações controversas em Bruxelas, com pequenos produtores demandando cautela. Em agosto deste ano, relatório da Via Campesina apontou o que a organização considera “ameaças” do cultivo da soja na UE. Dentre os riscos estariam o crescente interesse de grandes corporações na região do Leste e Centro Europeu para a produção de soja. Segundo relatório, o modelo de produção da soja, altamente mecanizado, não seria uma opção para pequenos produtores. Como resultado, estímulos à produção da commodity seriam direcionados aos grandes players do setor, agravando a marginalização dos pequenos agricultores em regiões rurais menos favorecidas.

Seguindo diálogo com os Estados Unidos, Comissão minimiza impacto de medidas sobre importações

Em seu pronunciamento no último dia 23 de novembro em conferência intitulada “Development of Plant Proteins in the European Union”, em Viena, o Comissário Phil Hogan minimizou o impacto da proposta sobre importações, em um aceno direto aos Estados Unidos. Segundo o Comissário “o potencial para proteína vegetal cultivada na UE não influencia as perspectivas de importação de soja dos Estados Unidos, pois tem como alvo diferentes segmentos de mercado”.

Em julho, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, foi a Washington em tentativa de impedir a escalada de tensões comerciais através do Atlântico. A tratativa resultante incluiu a promessa por parte da Comissão Europeia de estimular a importação de soja dos Estados Unidos. A concessão europeia foi interpretada como um gesto retórico, uma vez que forças de mercado já estariam resultando na maior importação de soja americana pelo bloco, em decorrência das tarifas aplicadas pelos chineses à commodity dos Estados Unidos. “As políticas comerciais do Presidente Trump já estão dando aos fazendeiros americanos o suficiente para se preocupar” afirmou Hogan.

Contexto

A proposta de estímulo à produção de proteína vegetal na UE responde à demanda expressa pelo Parlamento Europeu em abril deste ano, quando foi adotado relatório sobre o tema com 542 votos a favor, 33 contrários e 109 abstenções. No documento, parlamentares apresentam argumentos relacionados ao impacto ambiental da produção de soja nas regiões de onde o produto é atualmente importado, mas também ressaltam que a atual situação traz “grandes riscos” à pecuária do bloco devido à volatilidade do mercado internacional.

Eurodeputados atentaram ainda para a China, maior importador de soja, e o que consideram ser seu crescente controle sobre a cadeia produtiva da commodity. Segundo o relatório, os chineses teriam lançado uma “estratégia não-transparente de segurança de abastecimento, localizada fora de mecanismos tradicionais de mercado e baseada em contratos de produção com o maior fornecedor, o Brasil […] às custas do meio ambiente”. Para os parlamentares, a estratégia chinesa poderia “colocar em perigo a estabilidade dos mercados da União”, uma vez que a UE importa sua soja do Brasil.

Em julho de 2017, um grupo de treze estados-membros composto por Alemanha, Áustria, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Luxemburgo, Países Baixos, Polônia e Romênia assinaram declaração em apoio à produção de proteína vegetal na UE para ração e alimentos “como contribuição ao desenvolvimento de sistemas agrícolas mais sustentáveis e resilientes”. O documento baseia sua argumentação nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2 e 15, cujos focos são segurança alimentar e uso sustentável de ecossistemas terrestres, respectivamente. Os países signatários apoiaram no documento a parceria com países europeus não membros da UE, como a Ucrânia, Moldávia, Sérvia e Bósnia-Herzegovina para garantir que um volume maior de soja seja cultivado e processado no continente.

Para saber mais

O Brasil é o segundo maior produtor global de soja e o maior exportador do produto. Na safra 2017/18, o país alcançou a produção recorde de 119,3 milhões de toneladas, com crescimento de 4,6% com relação à safra anterior (2017/16). Se as condições climáticas se mantiverem favoráveis, novo recorde deve ocorrer na safra 2018/2019.

Já as exportações brasileiras de soja atingiram a cifra de US$ 31,7 bilhões em 2017, dos quais 14,6%, (ou US$ 4,6 bilhões), tiveram como destino a União Europeia. De janeiro a outubro de 2018, o valor total das exportações da soja brasileira chegou a US$ 36,3 bilhões, com aumento de 23,9% em comparação ao mesmo período de 2017. Para a União Europeia, as exportações de soja em 2018 já somam US$ 4,9 bilhões (jan-out), valor 18,4% superior àquele relativo aos mesmos meses de 2017.

Vale lembrar que a soja é o principal produto de exportação do agronegócio brasileiro, e representa 33% das exportações nacionais (2017).