OMC: REINO UNIDO E UE DISCUTEM REALOCAÇÃO DE QUOTAS TARIFÁRIAS PÓS-BREXIT



A saída do Reino Unido da União Europeia tem gerado incertezas de forma multilateral, sobretudo quando o assunto são as quotas tarifárias na Organização Mundial do Comércio. Ambas as partes deverão adaptar seus cronogramas tarifários junto à OMC antes do Brexit, mas parceiros demonstram insatisfação com a metodologia proposta.

As quotas tarifárias consistem em quantidades pré-determinadas de um bem, às quais são aplicadas tarifas de importação preferenciais. Atualmente a UE possui 124 quotas tarifárias na OMC para o comércio de produtos agrícolas considerados sensíveis. Essas quotas foram negociadas levando-se em conta o Reino Unido como parte do bloco.

Com a decisão do país de deixar a UE, surgiu a necessidade de separação das quotas tarifárias, ou realocação das mesmas entre a UE e o Reino Unido. O que incialmente foi pensado como uma simples adaptação, provocou reações contundentes dos demais membros da OMC, que temem ter seu acesso a mercado prejudicado pela manobra.

Ainda em outubro do ano passado, a UE e o Reino Unido circularam uma carta explicando a metodologia que pretendem aplicar no processo de realocação de quotas tarifárias. Já no mês seguinte, um grupo de sete países, incluindo o Brasil, assinou outra carta em tom crítico à metodologia proposta, argumentando que qualquer mudança às quotas deverá ser negociada com os demais membros da Organização.

Segundo a metodologia proposta pelo Reino Unido e a UE, as quotas seriam realocadas levando-se em conta fluxos comerciais correntes e passados. Isso significa, por exemplo, que se em média 10% das importações europeias de um determinado bem por quota tarifária têm como destino o mercado britânico, então 10% dessa quota seriam realocados ao Reino Unido e a quota europeia seria consequentemente reduzida a 90% do seu valor atual.

Apesar da aparente simplicidade da proposta, a metodologia foi fortemente criticada por especialistas. Primeiramente foram apontadas grandes dificuldades em rastrear o destino final de bens importados pelo bloco, dada a ausência de controles de fronteiras entre os estados-membros da UE. Ademais, haveria o risco de algumas quotas tarifárias para o Reino Unido serem reduzidas a um ponto que torne a exportação desses bens comercialmente inviável.

No Brasil a metodologia foi recebida de forma crítica também pelo setor privado. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) se posicionaram de forma contrária à proposta, devido, entre outros motivos, a possíveis aumentos nos custos de exportação pós-Brexit. Segundo argumentam as entidades, a metodologia de alocação de quotas não seria suficiente para garantir o acesso dos produtos em questão aos mercados da UE e do Reino Unido.

Membros da OMC exigem negociação dos novos cronogramas

Em reunião recente do comitê de acesso a mercado da OMC, no último dia 9 de outubro, foi reportado que 21 países expressaram críticas às propostas de cronogramas do Reino Unido e da UE. Dentre os membros insatisfeitos estariam os principais parceiros comerciais do bloco, incluindo Brasil, Argentina, Austrália, Canadá, China, Colômbia, Estados Unidos, Japão, México, Rússia, Tailândia e Uruguai.

Em junho deste ano, o Conselho da UE autorizou a Comissão Europeia a iniciar negociações com os demais membros da OMC sobre a divisão das quotas, conforme previsto no Artigo XXVIII do GATT, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio. O Reino Unido, por sua vez, optou pelo processo de retificação, por meio do qual não há negociações diretas: países apresentam aos demais membros mudanças que desejam aplicar ao seu cronograma e estes têm um prazo de três meses para examiná-las. Ao final desse período, não havendo objeções, as mudanças são certificadas pela OMC.

O novo cronograma do Reino Unido foi apresentado para retificação em 24 de julho. Apesar de não serem públicas as contestações apresentadas pelos demais membros, há fortes indícios relatados na imprensa especializada de que países teriam apresentado objeções, o que impediria a certificação imediata do novo cronograma. Os demais membros da OMC criticaram ademais a própria escolha do Reino Unido pelo instrumento de retificação, utilizado costumeiramente para mudanças triviais aos cronogramas, por não envolver negociações.

Em declarações recentes, o Diretor-Geral da OMC Roberto Azevêdo afirmou ser “muito improvável” que o novo cronograma tarifário do Reino Unido seja aprovado antes de sua saída do bloco europeu. “No momento em que outros países percebem a oportunidade de aumentar sua parcela de mercado ou aumentar a quota tarifária aqui ou ali, é isso que eles vão querer” afirmou o líder da organização.