Agricultores europeus condenam acordo com o Mercosul



Declarações de oficiais da Comissão Europeia e relatos da imprensa sul-americana elevaram expectativas em Bruxelas quanto à conclusão do acordo de comércio UE-Mercosul causando a mobilização de grupos contrários. Organizações de setores agrícolas e ONGs voltaram a se posicionar sobre o acordo junto a oficiais europeus neste mês de maio.

Firme opositora do acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul, a Copa-Cogeca, principal associação de agricultores na UE, voltou a direcionar críticas ao agro brasileiro na tentativa de frear um possível acordo. “No Brasil, modelos de produção são sujeitos a padrões ambientais, sanitários e fitossanitários muito abaixo daqueles em vigor na Europa” argumenta a organização no comunicado de imprensa publicado em 24 de maio, à véspera das eleições europeias. “Chamamos aos eurodeputados recém-eleitos […] que levantem suas vozes a partir da semana que vem!”.

A organização levou seu apelo também à presidência do Conselho da UE, atualmente ocupada pela Romênia, em reunião dias antes do encontro dos ministros da agricultura dos 28 Estados-membros. Na ocasião, a organização afirmava a “oposição de agricultores europeus a qualquer acordo com o Mercosul”.

A Associação Europeia de Fabricantes de Açúcar (CEFS) e a Confederação Internacional de Produtores Europeus de Beterraba (CIBE), publicaram carta aberta à Comissão Europeia e ao Conselho se posicionando contra a abertura do setor em acordos comerciais. Segundo as associações, “decisões recentes” no Brasil relativas a desmatamento, proteção ambiental e direitos de minorias refletiriam “claramente” o que argumentam ser uma crescente divergência entre padrões europeus e do Mercosul.

A ONG Friends of the Earth (FoE) criticou a Comissão por prosseguir com negociações com o Mercosul, alegando retrocessos no Brasil em questões relativas aos direitos humanos e proteção ambiental. A organização, assim como outras ONGs na Europa, reivindica que o capítulo sobre desenvolvimento sustentável em acordos de comércio esteja sujeito a mecanismos de sanções caso descumprido, demanda que obteve significativa ressonância no Parlamento Europeu no ano passado.

Comissária europeia rebate críticas

No dia 24 de maio, a Comissária europeia para o Comércio, Cecilia Malmström, reuniu-se com grupos da sociedade civil europeia. O encontro, no formato plenário, foi o nono e último da atual Comissária, que deixará a organização ao fim do atual mandato. Malmström, que é de origem sueca, concluiu acordos considerados de peso para o bloco, como com o Japão e com o Canadá. O acordo com o Mercosul, porém, se concluído, seria o maior já negociado pelo bloco europeu.

“Como a Comissão pode acreditar que o impacto do acordo em setores como carne, frango, açúcar, suco de laranja, etanol e arroz será gerenciável?” questionou o representante da Copa-Cogeca na ocasião. “E como a Comissão justifica […] importarmos produtos agrícolas do Brasil poucos meses após a aprovação de 150 novos pesticidas?”. Na sequência, representante de grupo de agricultores da Irlanda solicitou explicitamente à Comissária que carne bovina seja retirada do acordo, alegando que o setor seria responsável por 80% do desmatamento na Amazônia. Agricultores da Irlanda demandam proteção também com base na futura perda de mercado que poderá decorrer do Brexit.

Malmström reiterou as oportunidades que o acordo representa para a UE: “um mercado de 230 milhões de pessoas, fechado e difícil […] se formos os primeiros a acessá-lo teremos oportunidades fantásticas”. Sobre carne, a resposta da Comissária foi contundente. “Não se pode imaginar um acordo que exclua carne bovina, é claro que não”. Sobre Brexit, Malmström lembrou que haverá muitas consequências indesejáveis. “Negócios, incluindo agricultores, devem se preparar para todos os cenários”, afirmou. “Em tempos de ameaça ao multilateralismo, quanto mais pessoas estão ligadas por acordos baseados em regras, melhor” defendeu a Comissária. “Se o órgão de apelação da OMC desabar, será bom termos outros mecanismos de resolução de controvérsias em vista.”

Contexto

Desde a última troca de ofertas em maio de 2016, sob o mandato da atual Comissão, as negociações UE-Mercosul, iniciadas em 2000, ganharam novo fôlego. Do lado sul-americano, as principais concessões pendentes são relativas a produtos agrícolas, sobretudo as quotas tarifárias para produtos considerados sensíveis na UE, como carne bovina, etanol e açúcar. Segundo relatos, a UE teria apresentado, sem maior detalhamento, quotas tarifárias de 99 mil toneladas métricas para carne bovina e 600 mil para etanol. Os valores são considerados demasiado altos por produtores europeus, mas inferiores ao que constava na primeira troca de ofertas, em 2004, quando o bloco era composto de 25 Estados-membros.

Já os Estados-membros da UE têm dentre suas principais demandas a liberalização do setor automotivo do Mercosul, onde atualmente tarifas chegam a 35%. Tal interesse ganha mais peso no contexto de incerteza quanto à possibilidade de aplicação de tarifas ao setor automotivo pelos Estados Unidos. Proteção de indicações geográficas para alimentos de alto valor agregado, compras governamentais e a liberalização no setor de transporte marítimo estão também entre os interesses ofensivos europeus que seguem em negociação.