As eleições nos Estados Unidos e o comércio transatlântico



As eleições nos Estados Unidos e o comércio transatlântico

A perspectiva de Joe Biden na presidência dos Estados Unidos gera expectativas de mudanças nas relações comerciais com a União Europeia. Os últimos quatro anos foram marcados pelo tensionamento na tradicional parceria transatlântica. Apesar de os desafios domésticos despontarem como prioridade na plataforma de Biden, autoridades europeias demonstraram otimismo com a agenda internacional do democrata.

Segundo Rupert Schlegelmilch, diretor de comércio internacional para as Américas do Diretório-Geral para o Comércio da Comissão Europeia, há quatro principais aspectos positivos para a agenda transatlântica sob a liderança de Biden: política ambiental, reforma do sistema multilateral de comércio, arrefecimento das disputas comerciais, e governança digital e tecnológica.

Política ambiental: No que diz respeito ao meio ambiente, a plataforma de Biden é uma das mais ambiciosas já apresentadas por um candidato presidencial nos Estados Unidos. Além de prometer o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, o democrata visa introduzir uma meta de zero emissões líquidas até 2050, e inclui um pacote de US$ 2 trilhões para estimular a mudança.

Trata-se, portanto, de uma agenda comum à da União Europeia, que, sob a liderança da Presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, vem implementando o Green Deal europeu. A convergência nessa área deve abrir oportunidades de cooperação. 

Sistema multilateral de comércio: A postura dos Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC) também deve sofrer mudanças sob uma nova liderança no país. O governo norte-americano adotou a estratégia de bloqueio, vetando a nomeação de juízes do Órgão de Apelação da organização, o que acabou por paralisar seu funcionamento. Embora Biden também expresse críticas à OMC, ele já sinalizou que retornará aos debates em foros coletivos.

Nesse sentido, os Estados Unidos devem retomar a posição de parceiro natural da União Europeia. As duas partes devem aliar-se nos esforços de uma reforma da OMC, compartilhando descontentamento com a lentidão do processo de tomada de decisão na organização e com a demasiada judicialização. Além disso, tanto Estados Unidos como UE apresentam preocupações com barreiras não-tarifárias e programas de subsídios chineses.

Disputas comerciais: No campo das relações bilaterais, apesar de as trocas entre Estados Unidos e UE representarem o maior fluxo de comércio do globo, nos últimos anos emergiram atritos entre os parceiros. Ainda em 2018, os Estados Unidos impuseram tarifas sobre o aço e o alumínio provenientes da UE. O bloco reagiu com tarifas sobre importações agrícolas e alimentares.

A situação agravou-se com a conclusão de longas disputas na OMC entre as partes relativas a subsídios governamentais a empresas de aviação. Tanto Estados Unidos como a UE receberam autorização da organização para aplicação de tarifas retaliatórias bilionárias. Desde agosto de 2020, contudo, as duas partes vêm sinalizando maior abertura para negociação. Um acordo relacionado a isenção de tarifas sobre lagostas na UE foi bem sucedido e simboliza uma reaproximação. 

Apesar do cenário de reconciliação, a plataforma de Biden, ao enfatizar a importância da produção doméstica nos Estados Unidos, “Made in USA”, não sinaliza concessões comerciais aos parceiros europeus. Mesmo assim, autoridades da UE têm demonstrado otimismo em relação ao futuro da aliança transatlântica, e esperam uma agenda comercial positiva, especialmente na área de tecnologias emergentes.

Governança digital e tecnológica: a questão da regulação e tributação de grandes empresas de tecnologia tem sido outro fator de tensão entre Europa e Estados Unidos. Diversos países têm ameaçado tributar as operações das “big techs” (empresas dos Estados Unidos como Facebook, Google, Amazon, Apple e Microsoft). A expectativa era que o assunto fosse decido plurilateralmente, na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na ausência de uma decisão conjunta, o “imposto digital” deve ser adotado pela UE nos próximos anos. A França, contudo, pretende implementá-lo ainda em 2020.

Enquanto o governo Trump iniciou uma investigação sobre esse imposto no âmbito do artigo 301 do código comercial dos Estados Unidos (que permite retaliações tarifárias e não-tarifárias), os europeus acenam para Biden em busca de uma governança sobre o assunto, a fim de que se estabeleça uma abordagem sistêmica que gere segurança digital e tecnológica. Segundo o ministro das Finanças francês, Biden pode contribuir para acalmar as tensões crescentes sobre o imposto.