Brasil e União Europeia diante dos desafios globais



Marcos Galvão
Embaixador
Chefe da Missão do Brasil junto à União Europeia

 

É com imenso prazer que me dirijo aos leitores deste informe pela primeira vez desde que assumi a chefia da Missão do Brasil junto à União Europeia (UE), em fevereiro deste ano.

A Missão do Brasil atribui grande valor à interlocução com o setor privado, tal como é proporcionada por esta publicação. Parte importante da relação entre o Brasil e a UE passa pelos estreitos vínculos econômicos que nos aproximam. É fundamental poder comunicar a nossos empresários a perspectiva que temos, a partir de Bruxelas, sobre temas de interesse do Brasil na UE.

O Brasil e a União Europeia são atores globais e nossa parceria é ainda mais importante na atual conjuntura internacional. Trata-se de um momento histórico em que, do ângulo das relações econômicas, conjugam-se duas ordens de desafios: primeiramente, preservar a arquitetura que permitiu a expansão considerável do comércio e investimento nas últimas décadas; em segundo lugar, equipar nossas sociedades para a economia do futuro, que terá forte componente digital.

O primeiro desafio gira sobretudo em torno da definição do papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) nos próximos anos. Em 2017, os membros da OMC foram responsáveis por 98% do comércio mundial de mercadorias, que alcançou US$ 17,7 trilhões. Em 1999, esse valor havia sido de US$ 5,4 trilhões. Em grande parte, esse resultado foi viabilizado pelas regras da OMC, assim como pelos mecanismos que garantem o seu cumprimento.

Certamente, a Organização e suas normas podem e devem adaptar-se à realidade de um mundo muito diferente daquele em que viveram os negociadores que a conceberam, nas décadas de 1980 e 1990. Há muito que pode ser feito. Mesmo assim, não se deve desprezar que, ao longo dos anos, os membros da OMC foram capazes de alcançar avanços importantes. Um deles foi a decisão, adotada na X Conferência Ministerial (Nairobi, 2015), de eliminar os subsídios para exportações agrícolas, de cuja negociação tive a satisfação de participar.

Esse exemplo, resultado direto da colaboração entre Brasil e União Europeia, é particularmente emblemático do que podemos fazer para preservar a centralidade da OMC. No momento atual, em que se discute a reforma da Organização, Brasil e UE veem-se novamente empenhados em contribuir para soluções que possam modernizar a OMC e garantir seu papel crucial no sistema internacional de comércio.

Uma das áreas em que Brasil e União Europeia consideram necessário adotar normas internacionais é o comércio eletrônico. Junto com outros 74 membros da OMC, assinamos em janeiro deste ano a declaração que lançou o processo negociador para um futuro acordo nessa matéria.

A negociação sobre comércio eletrônico está diretamente relacionada ao segundo desafio mencionado acima: a expansão da economia digital. Aqui também há potencial para Brasil e União Europeia buscarem maior interação.

A consolidação da economia digital deverá transformar as relações econômicas, mas fará muito mais do que isso. Nosso cotidiano será consideravelmente modificado quando estiverem em funcionamento aplicações concretas de tecnologias como inteligência artificial, impressão em 3D e “Internet das Coisas”. Alguns empregos serão extintos, enquanto outros surgirão. A geografia da economia mundial será redesenhada como consequência da “desglobalização” provocada pela digitalização de determinados processos produtivos. Novos mercados serão criados, ao mesmo tempo em que outros deverão desaparecer.

Esse conjunto de mudanças exigirá novas formas de regulamentação e diversos países estão buscando equipar-se para essa futura realidade. Uma área que merece destaque nesse contexto é a regulamentação do uso de dados pessoais na economia digital.

O Brasil e a UE deverão firmar-se como importantes atores nesse domínio. Há grande número de usuários conectados à Internet tanto no Brasil (cerca de 65% da população) como na UE (85%). As legislações sobre proteção ao uso de dados pessoais, vigentes no Brasil e na UE,  compartilham princípios comuns. Ao mesmo tempo, persistem desafios: o Brasil necessita ampliar a inclusão digital e a UE, consolidar um mercado único digital, uma vez que a integração existente para o comércio de bens não existe integralmente para o ambiente digital na Europa.

A área digital reúne potencial promissor para uma agenda de maior colaboração entre o Brasil e a UE. Trata-se, ainda, de uma agenda que se estende além das relações econômicas e tem potenciais implicações para áreas como a cooperação em ciência e tecnologia. O cabo submarino que irá conectar diretamente o Brasil à Europa encoraja ainda mais a aposta no segmento digital na nossa agenda bilateral.

Nesse momento em que inicio minha função à frente da Missão do Brasil, avalio que há espaço para inovarmos na relação Brasil-UE, além dos importantes temas que já integram nossa agenda bilateral—como a negociação de um Acordo de Associação Mercosul-UE. A parceria com a Apex-Brasil, que tem sido muito benéfica para esses esforços, será fundamental para  esse objetivo.