Brexit: ainda sem acordo, Reino Unido e UE se preparam para ruptura



Com menos de um mês até a data prevista para o Brexit, o Reino Unido e a União Europeia seguem sem acordo sobre os termos nos quais o país deixará o bloco no dia 29 de março. Governos e o empresariado de ambos os lados se preparam para um possível hard Brexit, cenário de maior ruptura, no qual nenhum período de transição ou arranjo especial se aplicaria ao processo.

O encontro entre a Primeira-Ministra britânica, Theresa May e o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker no mês de fevereiro não renovou esperanças de que uma solução possa ser encontrada. Após a derrota histórica do acordo de saída em votação na Câmara dos Comuns, Theresa May tentou obter garantias de Bruxelas quanto à questão da fronteira com a Irlanda (mais informações aqui), mas sem sucesso. A Comissão manteve sua posição de não reabertura do acordo, o qual foi aprovado pelos estados-membros ainda no ano passado.

Em declarações após o encontro, Juncker lamentou a rejeição de parlamentares britânicos ao acordo de saída e afirmou que um cenário no deal, como também é conhecida a saída sem acordo, teria “consequências sociais e econômicas terríveis”. Juncker afirmou dedicar esforços para que um hard Brexit seja evitado, mas afirmou não estar otimista. “No Parlamento Britânico […] todas as vezes que estão votando há uma maioria contrária a algo, mas nunca uma maioria favorável a algo”, declarou o Presidente.

Diante da crescente possibilidade de um cenário desanimador no futuro próximo, a Comissão Europeia avança nos seus planos de contingência com vistas a minimizar o impacto negativo do Brexit no funcionamento no quadro legal europeu. O braço executivo do bloco já apresentou 19 propostas legislativas ao Conselho e ao Parlamento, das quais sete já foram adotadas, e publicou 19 atos não legislativos. Todos os documentos podem ser acessados aqui.

Além do quadro regulatório, a Comissão tem intensificado seu engajamento com o público em geral por meio da publicação de mais de 80 alertas sobre contingências e três comunicações detalhadas sobre a saída do Reino Unido. Com o foco no empresariado, em particular pequenas e médias empresas, a Comissão publicou também uma série de orientações sobre mudanças aduaneiras e em impostos indiretos decorrentes do Brexit.

Futuro tarifário segue indefinido

Já no Reino Unido, o debate sobre possíveis mudanças tarifárias tem exposto divisões no governo.
A publicação de relatório detalhando as tarifas de importação a serem aplicadas pelo país após sua saída do bloco europeu foi adiada após declarações contraditórias por parte de ministros.

No dia 19 de fevereiro, o Ministro do Meio Ambiente Michael Gove declarou em uma conferência no National Farmers´ Union, o sindicato de agricultores do país, que tarifas mais altas seriam aplicadas a produtos sensíveis para proteger produtores agrícolas. Gove qualificou produtos como carne bovina, ovina, suína, leite e queijos como sendo sensíveis. Já o Secretário do Tesouro britânico, Philip Hammond, e o Ministro de Comércio Interacional, Liam Fox, apoiam a redução de tarifas para proteger consumidores de uma possível escalada do preço dos alimentos.

Em um cenário no deal as partes deixam de operar em base de livre comércio entre si e passam a aplicar tarifas OMC ao comércio bilateral, como fazem a todos os outros países com os quais não possuem acordo, como por exemplo o Brasil. Dado que cerca de um terço dos alimentos consumidos no Reino Unido são importados da UE, há forte receio de que consumidores sejam atingidos por preços mais elevados após a saída do Reino Unido do bloco.

No mês de janeiro, CEOs de 12 dos maiores varejistas no Reino Unido enviaram carta ao Parlamento Britânico destacando os riscos que um cenário no deal poderá trazer às empresas e aos consumidores no Reino Unido. Na carta, empresários afirmam que o comércio no Canal da Mancha poderá ser reduzido em 87% como resultado de controles de fronteira, o que afetaria drasticamente a disponibilidade de produtos nas prateleiras por todo o país. Em setores como frutas e verduras frescas, o Reino Unido tem a maior parte da oferta no seu mercado importada. Segundo a carta, 90% das alfaces e 80% dos tomates no país são importados da UE.

Por outro lado, produtores britânicos também poderiam ser prejudicados em suas exportações, sobretudo no setor agrícola. Segundo Gove, não há nem mesmo clareza quanto à possibilidade de exportações do Reino Unido para a UE no caso de um hard Brexit, dado que o país ainda não estaria inteiramente registrado como um país terceiro e não teria assim estabelecimentos aprovados para a exportação de alimentos.

Em setores como carne de cordeiro, 40% da produção britânica é exportada. Desse total, 96% é destinada ao mercado europeu. Sob o regime de tarifas OMC, produtores de carne bovina e ovina do Reino Unido poderiam enfrentar tarifas de até 40% em suas exportações para a UE, com alguns cortes sendo taxados em 100%, ou seja, as exportações desses produtos se tornariam mais caras, diminuindo sua competitividade no mercado europeu.

Atualmente apenas 10% das importações de alimentos no Reino Unido enfrentam tarifas de NMF na OMC. Em um cenário no deal, porém, tais tarifas passariam a vigorar não somente no comércio com a UE, mas com todos os parceiros comerciais que atualmente possuem acesso preferencial ao mercado britânico por meio de acordos negociados com o bloco. O Reino Unido tem tentado nos últimos meses estender tais arranjos preferenciais, mas pouco progresso foi alcançado.

Caso o Reino Unido resolva reduzir suas tarifas aplicadas, as novas condições deverão se estender a todos os parceiros comerciais. Produtos cuja produção no país é insuficiente para atender o mercado doméstico, como frutas tropicais, possuem maior chance de liberalização. A determinação das futuras tarifas do país, porém, permanece uma matéria a ser conciliada internamente pelo governo.

Próximos passos

No dia 26 de fevereiro, Theresa May confirmou uma nova votação do acordo de saída na Câmara dos Comuns para 12 de março. Caso o acordo seja novamente rejeitado, parlamentares deverão votar no dia 13 de março, e uma moção solicitando o consentimento explícito da Casa para a saída da UE sem um acordo. Diante da grande probabilidade de tal moção não ser aprovada, deputados votarão no dia 14 de março uma possível extensão do prazo de saída. Theresa May adiantou que tal extensão seria curta, uma vez que o Reino Unido não participará das eleições europeias no mês de maio.

Mesmo que deputados britânicos aprovem a extensão do Artigo 50 (que no Tratado de Lisboa prevê o processo de saída de um estado-membro), ela só poderá ocorrer com o consentimento dos demais 27 estados-membros. Comentando sobre a proposta de May, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que a extensão do prazo de saída somente seria concedida diante de uma justificativa plausível. “Sob nenhuma circunstância aceitaríamos a extensão sem uma perspectiva clara”, declarou Macron.