Brexit: candidatos a premiê não descartam deixar UE sem acordo
A disputa pelo cargo de primeiro-ministro no Reino Unido está próxima do fim, com apenas dois candidatos competindo pela liderança do Partido Conservador no Parlamento Britânico. Boris Johnson, defensor linha-dura do Brexit, lidera na frente de Jeremy Hunt na disputa que se encerrará no dia 22 de julho.
Em suas campanhas eleitorais, Johnson e Hunt buscam o apoio de membros do Partido Conservador com base em suas estratégias para a saída do Reino Unido da UE, tema que, segundo pesquisas, determinará o voto de 85% do eleitorado. O partido possui cerca de 160 mil membros, dos quais 83% apoiariam um hard Brexit, o cenário no qual o país se desliga do bloco sem nenhum acordo que garanta transição, também conhecido como cenário
no-deal.
A desconexão entre estratégias apresentadas pelos candidatos em Londres e a realidade política de Bruxelas têm causado perplexidade em parte do público. Negociadores europeus deixaram claro, por exemplo, em múltiplas ocasiões, que a reabertura do Acordo de Retirada – concluído com a UE pela ex-Primeira-Ministra Theresa May, determinando os termos de saída do país do bloco – não será uma possibilidade. Não obstante, ambos os candidatos defendem que irão buscar a renegociação do acordo.
As declarações de Johnson têm sido consideradas contraditórias diante do atual cenário em que o Reino Unido se encontra. Não havendo possibilidade de se renegociar o acordo, nem tampouco maioria no Parlamento Britânico para aprová-lo, o Reino Unido será confrontado com a decisão de deixar a UE ao final de outubro num cenário no-deal, se não for solicitada – e aprovada pela UE – uma extensão deste prazo.
Tanto Hunt quanto Johnson admitem a possibilidade de um hard Brexit, embora não considerem tal desfecho ideal. Jeremy Hunt tem se mostrado a voz mais moderada, ao afirmar que não descartaria a possível extensão do prazo de saída, que atualmente se encerra em 31 de outubro. Johnson, por sua vez, afirmou em entrevista que o Reino Unido deixará a UE no prazo previsto “aconteça o que acontecer”, embora avalia ser a chance de um no-deal “uma em um milhão”. Johnson não detalhou exatamente como ele poderia evitar um hard Brexit.
Líderes questionam alegação de Johnson sobre aplicação do GATT
Declarações de Boris Johnson sobre o futuro regime tarifário também despertaram fortes críticas por especialistas de comércio e por dignitários em Londres e Bruxelas. O candidato chegou a afirmar que o país continuará a comercializar com a UE livremente, sem tarifas ou quotas, mesmo no cenário hard Brexit, devido ao artigo 24 do GATT. A dificuldade desse argumento, porém, reside no fato de que o artigo 24 do GATT se aplica a países que já possuem ou estão finalizando acordos.
Cecilia Malmström, a Comissária europeia para o Comércio, descreveu a invocação de Johnson ao artigo 24 do GATT como “completamente errada”. Mark Carney, o dirigente do Banco da Inglaterra, pronunciou-se afirmando que seria impossível a aplicação do artigo 24 do GATT sem um que haja um acordo em vigor. Na mesma linha, Liam Fox, atual Secretário de Estado para o Comércio no Reino Unido, declarou à imprensa britânica não ser verdadeira a possibilidade de manutenção do livre comércio com a UE alegada por Johnson no caso de um no-deal. Fox, que apoia Jeremy Hunt na corrida ministerial, publicou um artigo no dia 25 de junho afirmando ser importante que o debate seja conduzido com base “em fatos, em vez de suposições”.
Apesar do alerta de outras autoridades, Johnson manteve a sua alegação de que a aplicação do artigo 24 do GATT seria possível. Durante a campanha para o referendo Brexit, Johnson foi alvo do mesmo tipo de acusação, quando insistiu por exemplo que a saída da UE garantiria ao Reino Unido GBP 350 milhões por semana, que estariam sendo pagas ao bloco. A soma foi contestada pela autoridade de estatística do país, mas Johnson manteve a alegação durante toda a campanha, defendendo que o suposto valor poderia ir para o sistema público de saúde caso o Brexit fosse aprovado.
Diante da real possibilidade de que Johnson se torne primeiro-ministro no país, parlamentares britânicos têm buscado formas de garantir que nenhum líder de governo possa alienar os demais deputados nessa decisão. Não é claro, porém, se parlamentares possuem um caminho legal para impedir tal decisão.
Um chefe de governo eleito por um só partido?
Esta é a primeira vez na história do país em que um primeiro-ministro é eleito diretamente por membros de um partido específico. Um regime parlamentarista, no Reino Unido o cargo de primeiro-ministro é ocupado pelo líder do partido majoritário, ou coalizão majoritária, no Parlamento. Atualmente, o Partido Conservador em coalizão com o Partido Unionista Democrático, da Irlanda do Norte, comanda maioria na instituição. No passado, a liderança partidária era decidida por deputados, mas com o passar do tempo partidos passaram a dividir esta decisão com seus membros registrados.
No caso do Partido Conservador, desde 1998 a decisão sobre a liderança partidária é tomada pelos membros registrados. Em junho de 2016, após o resultado do referendo, o então primeiro-ministro David Cameron renunciou ao cargo, abrindo uma disputa interna pela liderança do partido. Inicialmente havia cinco candidatos ao cargo. Após duas votações, porém, todos haviam sido eliminados ou desistido à exceção de Theresa May, que passou a ocupar o cargo sem a necessidade de votação direta pelos membros registrados do partido.