Brexit: Theresa May renuncia diante de parlamento polarizado



A Primeira-Ministra do Reino Unido, Theresa May, anunciou que deixará o cargo no dia 7 de junho, após reações negativas ao pacote anunciado pela líder em tentativa de garantir a ratificação do Acordo Brexit. A decisão dá início à escolha de uma nova liderança no Partido Conservador e volta a elevar temores entre o empresariado quanto a uma ruptura hard Brexit.

Foi com lágrimas nos olhos e voz embargada que May discursou em frente a Downing Street no 10, residência oficial e escritório dos chefes de governo britânicos. “Está no melhor interesse do país que um(a) novo(a) primeiro(a)-ministro(a) lidere este esforço […] ele ou ela deverá encontrar consenso no Parlamento onde eu não consegui”, afirmou a Primeira-Ministra.

A derrota de May ocorreu em meio às fortes reações ao novo pacote apresentado na tentativa de aprovar o Withdrawal Agreement Bill (WAB), projeto de lei que transpõe à legislação britânica as disposições negociadas entre o Reino Unido e a UE no Acordo Brexit. O pacote trazia dez pontos, dentre os quais uma votação na Câmara dos Comuns sobre a realização de um segundo referendo antes da ratificação do acordo. “Eu reconheço a força genuína e sincera na Casa sobre este assunto importante”, afirmou May.

A líder britânica já vinha perdendo apoio após três tentativas frustradas de garantir a aprovação do Acordo Brexit na Câmara dos Comuns por meio dos chamados meaningful votes. Sua queda, no entanto, deixou claro o atual estado de polarização em Westminster. Conservadores e Trabalhistas rejeitaram a proposta por motivos opostos: de um lado, brexiteers “linha-dura” julgaram inaceitável que a possibilidade de um segundo referendo fosse colocada a voto; de outro, deputados pró-UE criticaram a proposta por não oferecer garantias de que um segundo referendo ocorrerá.

“Compromisso não é uma palavra suja […]” declarou a premiê em seu discurso de renúncia, afirmando que todos deverão ceder para que o atual impasse se resolva. Nas semanas anteriores a sua resignação, May reuniu-se com o líder da oposição Jeremy Corbyn, na tentativa de alcançar um acordo que garantisse uma maioria favorável ao acordo negociado com a UE. O pacote anunciado atendia a algumas demandas do Partido Trabalhista, como garantias quanto à proteção ambiental e dos direitos trabalhistas no Reino Unido ao deixar a UE.

A tentativa de compromisso, porém, chegou em momento tardio. A Primeira-Ministra, cujo posicionamento nas negociações com a UE foi por muitos considerado excessivamente rígido e interpretado como uma das dificuldades no processo Brexit, não logrou o apoio da oposição e agravou a discórdia dentro de seu próprio partido com o pacote anunciado. “Isso é ultrajante” declarou o parlamentar Simon Clarke em sua conta no Twitter. Para o parlamentar, votar na nova proposta significaria permitir aos chamados “remainers” insistirem em um segundo referendo e em uma união aduaneira com a UE. “Não haverá forma de eu apoiar a WAB”.

Futura liderança enfrentará desafios semelhantes

Votação no dia 27 de março revelou uma clara maioria no Parlamento Britânico contrária ao no-deal, como é chamado o cenário no qual o Reino Unido deixaria a UE sem nenhum acordo. Apesar de não haver consenso sobre quais deveriam ser as condições de saída, parlamentares concordam que ela não deveria ocorrer em forma de ruptura total, sem processo de transição, sobretudo diante das sérias implicações que isso representaria à fronteira na ilha da Irlanda. (mais informações aqui)

O Secretário do Tesouro Philip Hammond alertou em entrevista que um(a) primeiro(a)-ministro(a) que ignore o Parlamento não poderá sobreviver por muito tempo. “O Parlamento votou muito claramente contra um Brexit no-deal”. Hammond, que é do Partido Conservador, afirmou haver muitos colegas no próprio partido que se veriam em uma situação “difícil” caso tenham que apoiar uma liderança favorável a um hard Brexit.

Candidatos à liderança do Partido Conservador deverão apresentar suas candidaturas oficialmente até 10 de junho. Após uma séria de votações, deputados optarão por dois candidatos, a serem votados pelos 120 mil membros do Partido. A expectativa é que o processo encerre em meados de julho, para que o(a) novo(a) primeiro(a)-ministro(a) tenha tempo de montar seu governo antes do recesso de verão. Até que seja escolhida uma nova liderança, o país terá um(a) primeiro(a)-ministro(a) interino(a) a partir de 7 de junho, cujo nome ainda não foi confirmado.

O ex-Secretário de Estado para Assuntos Exteriores e ex-prefeito de Londres Boris Johnson é atualmente considerado bem posicionado para ganhar a disputa. Figura controversa em Bruxelas, mas de alta popularidade no Reino Unido, Boris Johnson já declarou que o Reino Unido deverá deixar a UE em 31 de outubro “com ou sem acordo”. Também deverão estar na corrida os secretários de Estado Dominic Raab e Jeremy Hunt, entre outros nomes.

Segundo análise do think-tank britânico Institute for Government não haveria um caminho legislativo claro permitindo aos deputados impedirem novamente um no-deal, caso assim decida o(a) novo(a) líder do governo. Experts não descartam a alternativa de que, confrontados com um hard Brexit, deputados poderão então convocar um voto de censura (no-confidence vote) contra o(a) primeiro(a)-ministro(a). A manobra abre um período de 14 dias para que um novo governo seja formado. Caso isso não ocorra, novas eleições gerais são convocadas.

A expectativa é que Partido Conservador saia fortemente prejudicado em um cenário de eleições gerais no Reino Unido. Nas eleições para o Parlamento Europeu, conservadores receberam menos de 9% dos votos. Confirmando a marcada divisão no eleitorado, o recém-fundado Partido Brexit, do líder brexiteer Nigel Farage, angariou 32% dos votos, sendo seguido pelos Liberais Democratas, que defendem um segundo referendo.

Europeus se mantêm contrários à renegociação

Questionada sobre o posicionamento europeu no processo Brexit após a renúncia de Theresa May, a porta-voz da Comissão Europeia Mina Andreeza declarou que “nada mudou quanto a isso”. A UE continua trabalhando sob o pressuposto de que a o Reino Unido deixará o bloco em 31 de outubro, prazo concedido por líderes dos 27 Estados-membros no último mês de abril (mais informações aqui). “Continuamos prontos para qualquer que seja o cenário”, afirmou a porta-voz.

Uma futura extensão deste prazo necessitaria novamente do apoio dos Estados-membros, o que não é garantido. Em abril, a França expressou fortes reticências a permitir a prorrogação até outubro, devido à falta de garantias de que a situação pudesse se resolver com um novo prazo.

A Comissão mantém também a posição de que o Acordo Brexit, rejeitado três vezes na Câmara dos Comuns, não será reaberto para renegociação. A única saída seria, como anunciado por May, que a próxima liderança encontre consenso onde ela não encontrou – e sob as mesmas limitações enfrentadas pela Primeira-Ministra.