Discurso anual da Presidente da Comissão Europeia



Discurso anual da Presidente da Comissão Europeia

A cada fim de verão, a presidência da Comissão Europeia oferece um discurso (State of Union Speech) com as diretrizes e objetivos para o próximo ano de trabalho. No dia 16 de setembro, a Presidente Ursula von der Leyen discursou no Parlamento Europeu sobre a sua condução política. Citando John Hume, político irlandês e Prêmio Nobel da Paz (1998), ao citar que as diferenças são a essência da humanidade, von der Leyen lembrou que a construção da União Europeia é baseada no respeito às diferenças, e que o atual momento é de promover mudanças contra os crescentes tipos de discriminação e intolerância no continente.

Ao comentar os desafios emergentes da pandemia do coronavírus, a Presidente esboçou a possibilidade de promoção de mudanças e de redesenhar uma Europa que sirva aos seus cidadãos do ponto de visto social. Para muitos em Bruxelas, essa “Europa social” se assimilaria aos ideais unificadores de Jean Monnet, a principal inspiração da integração europeia.

Segundo von der Leyen, o novo orçamento multianual da União (NextGenerationEU 2021-2027) e o pacote de recuperação econômica são indicativos diretos da possibilidade de mudança, uma vez que foram largamente apoiados pelos Estados-membros e possuem um grande viés social. Com ênfase na retomada econômica pós pandemia, o discurso abordou uma diversidade de temas, cobrindo, não somente, assuntos de política externa, sustentabilidade ambiental, condições de trabalho e direitos humanos. Aqui serão apresentadas as principais linhas propostas.

Política Externa

Foram pontuadas com cautela as parcerias e cooperação com China e Rússia, lembrando o caráter de “competição sistêmica” do primeiro, e o “padrão de ações” do segundo, fazendo referência à atuação russa na Geórgia, Ucrânia, Síria e Salisbury. Com relação ao Reino Unido, a Presidente foi clara quanto ao objetivo europeu de concluir as negociações para uma nova parceria comercial, e criticou a intenção do país em não cumprir as deliberações do Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia (Withdrawal Agreement), assinado em outubro do ano passado: “O Reino Unido não quebra tratados. Isso seria ruim para o Reino Unido, ruim para as relações com o resto do mundo, e ruim para qualquer tratado comercial futuro”, citando famoso discurso de Margareth Thatcher, ex-Primeira Ministra britânica e ícone do partido conservador, ao qual também é filiado o atual premiê Boris Johnson. Já a relação com os Estados Unidos foi classificada como “sempre importante para a Europa”, sendo o foco atual superar desafios em matéria de comércio e tecnologia.

Sustentabilidade

Sob a presidência de von der Leyen, a Comissão Europeia irá propor metas de redução de emissões de gases do efeito estufa mais ambiciosas. O European Green Deal, principal estratégia de sustentabilidade da União Europeia, dedica um série de atividades e metas para garantir que o bloco tenha sua produção econômica limpa de emissões de gases do efeito estufa em 2050. Para isso, contava-se com a meta, autoimposta, de redução das emissões em 40%, em 2030, na comparação com 1990.

Segundo a Presidente, contudo, após uma análise setorial e detalhada de impactos, constatou-se a possibilidade de majoração dessa meta para 55%. Ainda de acordo com von der Leyen, grande parte do setor empresarial já demonstrou apoio aos objetivos sustentáveis da Comissão. Considera-se ainda, nos corpos técnicos da União Europeia, maneiras de propor um “imposto do carbono”, que seria aplicado às importações de áreas com altas emissões.

Saúde Pública

A crise de saúde pública mundial, gerada pelos efeitos da alta taxa de infecção do coronavírus, mostrou a importância de arranjos continentais e internacionais, comentou von der Leyen. Na Europa, a Presidente identificou a necessidade de fortalecimento da chamada European Health Union. Isso seria feitopor meio do aumento do financiamento do programa EU4Health, do European Medicines Agency, e do European Centre for Disease Prevention and Control. Na esfera internacional, a Europa buscará manter-se alinhada, promovendo, juntamente com o Governo Italiano, a conferência em saúde pública Global Health Summit 2021, em Milão, norte da Itália.

Emprego e social

Durante a pandemia, segundo von der Leyen, a União Europeia registrou números moderados de desemprego pelo sucesso do programa SURE, que oferece  suporte temporário a trabalhadores e empresários sob riscos econômicos. Nesse sentido, a União Europeia apresentará aos Estados-membros uma proposta legal para estabelecimento de programas de salário mínimo que garantam condições adequadas de vida e sustento. Foram apontadas duas possibilidades: i) programas de negociações coletivas (setoriais), ou ii) salários mínimos estatutários e gerais. Segundo a Presidente, caberá a cada Estado-membro decidir qual modalidade melhor se encaixa ao perfil socioeconômico do país. Von der Leyen ainda criticou severamente a crescente discriminação, em alguns casos institucionalizada, à comunidade LGBT. Segundo a Presidente, tal discriminação é dissonante dos valores da União Europeia.

Questões financeiras e monetárias

De acordo com a teoria de integração econômica, após mercado e moeda comuns, a união fiscal e bancária seriam os próximos passos do projeto europeu. Mesmo que uma união fiscal não seja vislumbrada no curto prazo, a Presidente Ursula von der Leyen lembrou o sólido apoio político dado pelos Estados-membros ao novo orçamento da União (NextGenerationEU). O momento foi então classificado como oportuno para promover uma reforma do sistema financeiro europeu. Ainda segundo a Presidente, seria possível alcançar uma união dos mercados de capital e do sistema bancário. Essas ferramentas de integração seriam essenciais ao objetivo de consolidação do Euro como moeda global.