Discussões ganham momentum sobre reformulação da estratégia comercial europeia



A emersão da crise do coronavírus e a visível fragilidade de algumas cadeias globais de valor retomaram as discussões sobre a reformulação das políticas industriais e comerciais da União Europeia. A crise sanitária realçou dados relativos à dependência quase total do setor médico-hospitalar europeu das cadeias produtivas asiáticas – inclusive de medicamentos. Se a União Europeia já havia manifestado o anseio de conduzir em 2020 a revisão de sua política comercial, inicialmente agendada para o ano seguinte, o assunto acalentou-se também nos governos de diversos Estados-membros.

França e Alemanha têm sido os principais expoentes da ideia da repatriação de linhas produtivas estratégicas ao continente europeu. Seriam considerados estratégicos aqueles setores vinculados à saúde e alimentação, como o farmacêutico, cadeias de alimentos e biotecnologia. Não obstante, o comissário europeu para o comércio, Phil Hogan, manifestou preocupação com crescentes tendências protecionistas no debate sobre as cadeias de valor, e comentou a impossibilidade prática da repatriação de alguns setores para a União Europeia. Segundo o comissário, o reinvestimento no continente pode criar uma corrida mundial a insumos e matérias primas, resultando em aumentos de custos generalizados e novas disputas comerciais. A farmacêutica alemã Bayer acrescenta que a repatriação europeia pode ter proporções catastróficas para a economia mundial, segundo reportou o presidente da companhia Werner Baumann.

Os líderes Angela Merkel (Alemanha) e Emmanuel Macron (França) centraram também novas discussões sobre a estratégia comercial a ser adotada pela União Europeia em resposta à crise. Os dois países sugeriram, em comunicado conjunto,  que a União Europeia estabelecesse um fundo de €500 bilhões diretamente com o mercado financeiro, a ser repassado aos Estados-membros como incremento às despesas orçamentárias. Roga-se ainda a atualização das regras concorrenciais a fim de refletir as necessidades comerciais do bloco. Segundo esses países, a desburocratização em casos de fusões entre empresas e novos programas de auxílios Estatais podem contribuir para a criação de empresas “campeãs europeias”, com escala e pujança para competir com companhias estrangeiras.

A União Europeia propôs, então, um pacote de retomada da economia de €750 bilhões. Desse montante, €500 bilhões serão repassados na forma de concessões aos Estado-membros, e €250 bilhões como empréstimos. O anúncio é visto em Bruxelas como um forte aceno institucional aos países membros severamente afetados pela crise do coronavírus. Isso porque as novas concessões de €500 bilhões representam quase 50% do orçamento total da União para o período 2021-2027 (€1,1 trilhões). A proposta não é, contudo, uníssona no bloco e deverá ser matéria de debate entre governos dos países membros. Além do pacote de retomada da economia, a Comissão apresentou igualmente o seu programa de trabalho adaptado para 2020, que dá prioridade às ações necessárias para impulsionar a recuperação da Europa.

Um grupo encabeçado por Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia se opõe à forma do pacote de retomada. Segundo esses países, quaisquer montantes deverão ser vinculados como empréstimos e não concessões. Divergências também surgiram quanto a possíveis mudanças nos regimentos concorrenciais. Para esse grupo de países, a criação de “campeões europeus” pode criar distorções danosas ao mercado comum europeu.