Divergências persistem sobre escopo das negociações UE-Estados Unidos



“Eles quase não aceitam nossos produtos agrícolas, mas podem vender suas Mercedes-Benz e o que quiserem no nosso país […]” declarou o presidente americano, Donald Trump, sumarizando as atuais tensões que permeiam o início do diálogo comercial entre os Estados Unidos e a UE. “Se isso não mudar, nós iremos taxar todos os seus carros e tudo mais que vier”, concluiu Trump em pronunciamento no estado de Minnesota.

Estados-membros da UE aprovaram no dia 15 de abril, os mandatos para a abertura de negociações comerciais. Apesar do avanço nos trabalhos preparatórios, a UE e os Estados Unidos ainda divergem substancialmente quanto ao escopo do acordo. Enquanto Bruxelas limitou as negociações a bens industriais, o lado americano mantém em seus objetivos a liberalização de produtos agrícolas.

“A agricultura certamente não será parte destas negociações[…]” declarou a Comissária europeia para o Comércio, Cecilia Malmström, em reação às declarações de Donald Trump. Malmström justificou seu posicionamento lembrando que sua contraparte americana também excluiu interesses europeus do acordo, como contratos públicos.

Nos Estados Unidos, o Presidente do Comitê Financeiro do Senado, o republicano Chuck Grassley, alertou que as negociações não irão progredir se Bruxelas não aceitar a inclusão de temas agrícolas no diálogo comercial. Grassley já afirmou ser improvável a aprovação no Congresso americano de um acordo com a UE sem o setor.

As diretivas aprovadas preveem a negociação de dois acordos entre a UE e os Estados Unidos: um deles visando à eliminação de tarifas sobre bens industriais, e outro voltado ao reconhecimento mútuo de análises de conformidade. Apesar das divergências iniciais, a Comissária se mostrou otimista sobre a conclusão do acordo que, segundo ela, deve ocorrer antes do final de outubro, quando se encerra o mandato da atual Comissão. “Se concordarmos em começar, acredito que poderemos avançar rapidamente” declarou Malmström.

Riscos quanto à opinião pública permeiam o debate

A impopularidade da inclusão de temas agrícolas em um potencial acordo com os Estados Unidos resulta de diversos fatores, agravados pela proximidade das eleições. Além de ser considerado um setor sensível na UE, a experiência europeia durante as negociações do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com os Estados Unidos, conhecido como TTIP, não foi nada positiva.

O TTIP foi negociado entre 2013 e 2016, antes de ser deixado de lado em meio à forte pressão da opinião pública através da Europa. A percepção de riscos à segurança alimentar e ao princípio da precaução, além de ameaças ao meio ambiente, levaram milhares de europeus às ruas contra o acordo com os Estados Unidos no passado.

Por pressão do presidente francês Emmanuel Macron, a Decisão do Conselho autorizando as negociações tarifárias trouxe uma disposição reafirmando que as diretivas de negociação do TTIP devem ser consideradas “obsoletas e não mais relevantes”. O documento afirma ainda que esforços passados demonstraram as dificuldades na negociação de “compromissos mutuamente aceitáveis” com os Estados Unidos, sendo apropriado prosseguir com um “acordo limitado […] excluindo produtos agrícolas”.

França mantém oposição às negociações

Em uma manobra pouco usual no Conselho da UE, os mandatos foram aprovados por voto majoritário e não por consenso. A França de Emmanuel Macron se opôs à aprovação das diretivas, e a Bélgica se absteve. O posicionamento francês foi justificado com base na não-implementação do Acordo de Paris pelos Estados Unidos. “É uma questão de valores: a Europa deve ser exemplar e firme em sua defesa do clima” declarou um oficial do executivo francês.

Críticos em Bruxelas interpretaram o posicionamento de Emmanuel Macron como tática eleitoral para seu partido La République En Marche nas eleições europeias, que ocorrerão no final do mês de maio. Segundo o oficial do governo francês, “esta briga terá que continuar, particularmente no Parlamento Europeu, sem o qual nenhum acordo de comércio pode ser aprovado”.

Contexto

A abertura de negociações comerciais transatlânticas surgiu de compromisso firmado entre o Presidente Donald Trump e o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em julho de 2018, em meio à escalada de tensões comerciais. Seguindo a imposição de tarifas sobre aço e alumínio pelos Estados Unidos, Juncker visitou Washington, onde as partes se comprometeram a negociar a eliminação de tarifas sobre bens industriais, avançar temas de cooperação regulatória e promover exportações de soja e de gás natural liquefeito dos Estados Unidos para a UE.

As tratativas de Juncker em Washington determinavam ainda que tarifas sobre veículos automotivos não seriam impostas à UE enquanto as negociações estivessem ocorrendo. Conforme destacado no mandato da Comissão, a UE poderá suspender as negociações caso os Estados Unidos adotem novas medidas contra o bloco, com base na seção 232 do Trade Expansion Act (utilizada para justificar as tarifas sobre alumínio e aço), na Seção 301 do 1974 Trade Act (utilizada para embasar tarifas em mais de USD 250 bilhões em produtos chineses no último ano), ou em qualquer outra lei similar. O mandato ainda deixa claro que as tarifas impostas sobre aço e alumínio devem ser eliminadas antes do fim das negociações.