Eleições na UE: onda verde, fragmentação e freada do euroceticismo



Quatrocentos e vinte e seis milhões de eleitores nos 28 Estados-membros da União Europeia elegeram, entre os dias 23 e 26 de maio, 751 eurodeputados para o Parlamento Europeu, dentre mais de 15 mil candidatos. Segundo maior exercício democrático já registrado (perdendo apenas para as eleições na Índia), as eleições europeias determinarão o tom da política no bloco para os próximos 5 anos.

A apuração das urnas revelou mudanças não antecipadas por pesquisas, como a forte ascensão do Grupo dos Verdes, que congrega em nível europeu os partidos nacionais da mesma linha ideológica. O grupo garantiu 69 assentos no Parlamento, 19 a mais do que nas eleições passadas e 20% a mais do que previsto por analistas. Os resultados expressivos foram atribuídos principalmente ao eleitorado jovem em países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Irlanda, Portugal e Reino Unido.

Também surpreendendo previsões, não houve um aumento expressivo no número de parlamentares “eurocéticos”, como são conhecidos os representantes de extrema contrários à UE. Além disso, em um sinal de fortalecimento da União, as eleições registraram número recorde de eleitores, chegando a 50,9%, em comparação a 42,6% em 2014. Analistas atribuem o maior comparecimento às urnas à preocupação dos cidadãos quanto à ascensão dos partidos extremistas.

Considerado por muitos o grupo vencedor das eleições, a Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (ALDE), de posicionamento centro-liberal, foi o grupo que mais conquistou novos assentos. Dias antes das eleições, lideranças do grupo anunciaram uma aliança com partidos do movimento Renaissance, de Emmanuel Macron. Juntos, a aliança ALDE-Renaissance elegeu 109 deputados, um aumento expressivo se comparado aos 67 assentos conquistados pelo ALDE em 2014.

A ascensão do ALDE-Renaissance garante ao grupo uma posição estratégica para a formação de maiorias na nova legislatura. Os dois maiores grupos do Parlamento Europeu perderam a maioria que juntos comandavam até então. A Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) e o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-esquerda e centro-direita respectivamente, garantiram 180 e 145 assentos, ficando aquém dos 376 votos necessários para se alcançar maioria no Parlamento.

Segundo analistas, a fragmentação partidária e a maior necessidade de formar coalizões poderão ter um impacto negativo em processos decisórios no Parlamento. A mudança no equilíbrio de poder terá implicações também na aprovação do Presidente da Comissão Europeia, uma das primeiras tarefas do recém-formado Parlamento (mais informações aqui). Previsto para outubro, o fim do mandato da atual Comissão corre o risco de ser estendido, até que seja formada uma maioria no Parlamento em prol de um candidato.

Em nível nacional, tomaram as manchetes o desemprenho do eurocético Partido Brexit no Reino Unido, que, criado há alguns meses e de pauta essencialmente monotemática, logrou mais de 30% dos votos no país, se tornando um dos maiores partidos nacionais representados no Parlamento Europeu. Na França, o Partido de Marine Le Pen, Rassemblement National, conquistou mais votos do que o partido de Emmanuel Macron, apesar de ter alcançado desempenho inferior ao das eleições passadas. Na Alemanha, destacou-se o desemprenho do Partido Verde, que angariou 20% dos votos no Estado-membro de maior representação no Parlamento.

Implicações para a política comercial do bloco

O crescimento do Grupo dos Verdes e a coalizão dos liberais com a lista de Emmanuel Macron deverão fortalecer demandas já presentes na legislatura anterior quanto à aplicação mais severa de cláusulas sobre meio ambiente e padrões trabalhistas em acordos de comércio. Nos últimos anos, grupos de parlamentares vinham pressionando a Comissão para que capítulos de desenvolvimento sustentável estejam sujeitos a mecanismos de suspensão de preferências comerciais em casos de infração.

O movimento Renaissance defende em seu manifesto que a UE não deve negociar acordos de comércio com países que não respeitam o Acordo de Paris. Em entrevista após as eleições, Jean-Baptiste Lemoyne, Secretário de Estado no Ministério das Relações Exteriores francês, descreveu o resultado das urnas como o “desejo de Europeus de serem protegidos” e que “mudanças climáticas sejam levadas em conta”. “A França irá continuar a pressionar agressivamente em alguns temas para adaptar nossa política comercial”, completou Lemoyne. Na mesma linha, o manifesto do Grupo dos Verdes defende políticas de “comércio justo”, que fortaleça “direitos dos trabalhadores, agricultores, consumidores, bem-estar animal e a proteção da saúde e do meio ambiente”.

A perda de poder dos partidos majoritários e o fortalecimento da agenda de desenvolvimento sustentável poderão ademais dificultar a formação de maiorias a favor de comércio. Para a ex-deputada Marietje Schaake (ALDE, Países Baixos) a perda de assentos do PPE e de “free-traders” ortodoxos poderão tornar mais difícil a ratificação de acordos.

O primeiro “teste” quanto à disposição do novo Parlamento para a ratificação de acordos de comércio deverá ocorrer em breve, com o Acordo UE-Vietnã. Negociado em 2015, o acordo deverá ser aprovado no Conselho no próximo mês e tramitará em seguida para votação no Parlamento.

Para serem ratificados, acordos de comércio na UE devem ser aprovados por maioria simples no Parlamento Europeu, que possui efetivamente um poder de veto sobre os mesmos. Estudo encomendado pela Apex-Brasil e realizado pelo think-tank VoteWatch no ano passado revelou que parlamentares da legislatura 2014-2019 eram em sua maioria favoráveis ao Acordo EU-Mercosul. Cerca de 475 dos 751 apresentavam posições neutras ou favoráveis às relações bilaterais entre a UE e o bloco-sul americano. Eurodeputados com posições contrárias ao acordo eram em sua maior parte do Grupo dos Verdes, seguido pela Esquerda Unitária Europeia (GUE).

Nota: este artigo levou em conta resultados preliminares das eleições, com base na configuração dos grupos políticos da legislatura 2014-2019. O agrupamento de partidos está sujeito a alterações como resultado de negociações interpartidárias que ocorrerão no mês de junho.