Negociações UE-EUA: Comissão mantém agricultura fora de proposta de mandato



A Comissão Europeia publicou no último dia 18 de janeiro duas propostas de mandato de negociação para o diálogo comercial com os Estados Unidos. Os documentos, que ainda deverão ser adotados pelo Conselho da UE, têm como escopo tarifas em bens industriais e alinhamento regulatório. Temas agrícolas permanecem fora das diretrizes de negociação da UE, apesar de constarem nos objetivos apresentados pela contraparte americana. Negociações poderão ter início ainda neste mês de fevereiro.

Segundo a proposta de mandato para tarifas em bens industriais, o acordo buscaria eliminá-las de modo recíproco e em um curto espaço de tempo. No escopo da negociação entrariam “todos os bens, à exceção daqueles inclusos no Anexo I do Acordo da OMC sobre Agricultura”. O setor automotivo estaria, portanto, incluso. O texto afirma que a UE estaria pronta a “levar em conta potenciais sensibilidades dos Estados Unidos para determinados produtos automotivos”.

Já a proposta de mandato de escopo regulatório foca em estudos de conformidade.
A recomendação consiste em reduzir custos para operadores econômicos, por meio do reconhecimento mútuo de estudos de conformidade entre os Estados Unidos e a UE. As negociações do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), que se estenderam por três anos até serem paralisadas em 2016, avançaram em grande medida o diálogo bilateral no front regulatório. A expectativa é que parte do trabalho feito possa ser reutilizado nas novas negociações.

Questionada sobre o possível impasse acerca da inclusão de temas agrícolas no diálogo comercial, a Comissária Europeia para o Comércio, Cecilia Malmström, não apresentou estratégia concreta para solucionar as diferenças entre as partes. Em debate no Parlamento Europeu no último dia 23 de janeiro, o Diretor-Geral para Comércio da UE, Jean-Luc Demarty, afirmou que as negociações começarão com temas menos desafiadores e serão levadas passo a passo. “Progresso no governo Trump é mais provável em projetos individuais […] negociar um acordo de comércio amplo e abrangente entre a UE e os Estados Unidos não é factível nem aconselhável neste momento”, afirmou Demarty aos eurodeputados.

Na mesma semana da publicação das propostas, comentários do senador estadunidense Chuck Grassley, membro do partido Republicano e Presidente do Comitê de Finanças do Senado, repercutiram em Bruxelas. Grassley afirmou que tarifas sobre carros seriam “a única coisa” capaz de trazer os europeus à mesa de negociação para tratar de agricultura. Em conferência em Bruxelas, Malmström lamentou o comentário, que segundo ela não contribui para uma boa atmosfera de negociação.

Em visita a Washington no mês de janeiro, a Comissária europeia reiterou seu posicionamento contrário à inclusão de agricultura nas discussões bilaterais com o país. A resistência do lado europeu estaria ligada, entre outros motivos, à indisposição dos americanos em abordar outros temas de interesse da UE. “Deixamos claro que, da parte da UE, não iremos discutir agricultura assim como os Estados Unidos não irão discutir o Jones Act, o Buy American em compras públicas, indicações geográficas e coisas que costumam constar [em acordos]”.

A negociação transatlântica segue compromisso firmado entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em julho do ano passado. Em visita do líder europeu a Washington em meio à escalada de tensões transatlânticas decorrentes da imposição de tarifas sobre aço e alumínio, as partes se comprometeram a negociar a eliminação de tarifas sobre bens industriais, avançar temas de cooperação regulatória e promover exportações de soja e de gás natural liquefeito dos Estados Unidos para a UE.

As tratativas de Juncker em Washington determinavam ainda que tarifas sobre veículos automotivos não seriam impostas à UE enquanto negociações estivessem ocorrendo. Conforme destacado no mandato da Comissão, a UE poderá suspender as negociações caso os Estados Unidos adotem novas medidas contra o bloco, com base na seção 232 do Trade Expansion Act (utilizada para justificar as tarifas sobre alumínio e aço), na Seção 301 do 1974 Trade Act (utilizada para embasar tarifas em mais de USD 250 bilhões em produtos chineses no último ano), ou em qualquer outra lei similar.

Parlamentares sinalizam inconsistências no poder executivo

Membros do Parlamento Europeu questionaram a Comissão sobre a abertura de negociações com os Estados Unidos, diante da decisão do Presidente Trump de sair do Acordo de Paris. Em julho do ano passado, o Parlamento Europeu, cujo consentimento é necessário à adoção de acordos de comércio, aprovou resolução tornando a ratificação e implementação do Acordo de Paris condições obrigatórias para a aprovação de acordos de comércio pela instituição.

Em resposta, Jean-Luc Demarty declarou que o acordo com os Estados Unidos seria algo mais próximo a um acordo setorial, já que não incluiria áreas importantes como agricultura e compras governamentais. Segundo o Diretor-Geral, caso os Estados Unidos optem por não incluir o setor automotivo no acordo, este cobriria apenas 85% do comércio entre as partes. As declarações levantaram, porém, questionamentos quanto à legalidade do acordo vis-à-vis a Organização Mundial de Comércio uma vez que, segundo as regras da organização, acordos preferenciais devem cobrir substancialmente todo o comércio entre as partes.