Parlamento discute acordo UE-Mercosul na 1ª sessão após eleições
O Comitê de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (INTA) teve no dia 23 de julho sua primeira sessão regular desde as eleições europeias em maio. Eurodeputados iniciaram seus novos mandatos em intenso debate sobre o acordo UE-Mercosul. O tema dominou a troca de impressões com a Comissária europeia para o Comércio, Cecilia Malmström, que participou da sessão para fornecer atualizações e tirar dúvidas sobre os principais pontos da agenda comercial.
O debate teve início com um pronunciamento da Comissária, que deverá deixar o cargo ao final de outubro, quando se encerra o mandato da atual Comissão. Mais de vinte eurodeputados tiveram então a chance de expor anseios e direcionar questionamentos à Comissão. Apesar da renovação na composição do comitê, os pontos levantados na sessão sugerem continuidade ao trabalho do mandato anterior. As inquietações apontadas por eurodeputados giraram em torno da aplicação das cláusulas de desenvolvimento sustentável no acordo, os riscos potenciais à segurança alimentar do bloco como resultado do que consideram ser o elevado uso de defensivos agrícolas no Brasil, e questionamentos sobre a utilização de salvaguardas bilaterais.
Deputados demandam aplicação mais severa de cláusulas sobre clima e padrões trabalhistas
“Um acordo de comércio sozinho não pode salvar a Amazônia […], mas pode ser uma importante ferramenta” afirmou Malmström. “No acordo ambas as partes se comprometem a efetivamente implementar o Acordo de Paris […] aqui ancoramos nossos quatro parceiros do Mercosul no Acordo de Paris com obrigações legais” explicou. A Comissária lembrou também da exigência no acordo de que as partes implementem efetivamente compromissos assumidos nas convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Deputados, porém, pressionaram Malmström quanto às garantias de que esses compromissos sejam observados. Muitos representantes defendem que a UE possa aplicar sanções diante de infrações relacionadas ao capítulo de desenvolvimento sustentável. Kathleen Van Brempt, coordenadora do grupo dos socialistas e democratas (S&D), o segundo maior do comitê, criticou o que descreveu ser a “falta de iniciativa em políticas ambientais” em países do Mercosul. “Não podemos fechar nossos olhos para isso […] nós podemos ver o desmatamento. […] Como a Comissão poderá assegurar que o capítulo sobre desenvolvimento sustentável seja realmente aplicável?” questionou Van Brempt.
Em termos procedimentais, o mecanismo de resolução de controvérsias para cláusulas relacionadas a desenvolvimento sustentável funciona de forma bastante similar ao que ocorre em disputas convencionais. A diferença é que no lugar de sanções impostas à parte perdedora, são emitidas recomendações cuja implementação é acompanhada e verificada, com um alto grau de exposição e envolvimento de grupos da sociedade civil. Os relatórios dos painéis são públicos e, como descreveu a Comissária, “não são bons para o país, nem seu ambiente de investimentos ou sua reputação”.
Exemplo da utilização desse mecanismo na prática pode ser observado atualmente no acordo da UE com a Coreia do Sul. A Comissão vinha cobrando do país a ratificação e implementação das convenções fundamentais da OIT, conforme compromisso assumido no acordo comercial com o bloco, da mesma forma que no caso do Mercosul. Após as partes falharem em encontrar uma solução mutuamente satisfatória por meio de consultas, a UE solicitou no último dia 4 de julho abertura de um painel para examinar tais pendências.
A Comissão defende que esse tipo de engajamento é superior à aplicação de sanções. Essas “soam bem, mas são muito difíceis de fazer funcionar na prática”, explicou Malmström, em referência aos desafios de se comprovar em termos legais o impacto sobre o comércio resultante de infrações às cláusulas de desenvolvimento sustentável, condição necessária à aplicação de sanções. “Tivemos extensos debates sobre isso […] e basicamente todos os países [no Conselho] são contrários”. A Comissária lembrou que a abordagem atual já teve sucesso nos acordos com a Colômbia e o Peru, e que espera que o mesmo ocorra com a Coreia.
Comissária reitera soberania do bloco sobre padrões de importação
No tocante à segurança alimentar, parlamentares expressaram dúvidas quanto ao impacto do acordo sobre a regras sanitárias e fitossanitárias para importações do bloco. O eurodeputado alemão Helmut Scholz, coordenador do grupo da extrema esquerda GUE/NGL, questionou como a Comissão poderia assegurar que o acordo não resultará em infrações à legislação europeia de segurança alimentar. Anseios similares vieram do coordenador do grupo da extrema direita ID, o eurodeputado alemão Markus Buchheit. “Como se pode assegurar que o consumidor europeu não estará mais exposto ao glifosato devido a este acordo com o Mercosul?” perguntou Buchheit em referência ao herbicida mais utilizado no Brasil, que enfrenta forte oposição na UE.
Malmström enfatizou em seu pronunciamento que padrões sanitários e fitossanitários não são modificados pelo acordo. “Nossos padrões estão inteiramente resguardados […] nada no acordo muda a forma como adotamos ou aplicamos nossas regras de segurança alimentar” declarou a Comissária. “Pesticidas proibidos na UE continuarão proibidos na UE […] eles [operadores econômicos] devem garantir que pesticidas proibidos não sejam utilizados. Se eles não podem garantir isso, podemos recusar importações.”
Parlamento Europeu possui poder de veto sobre o Acordo UE-Mercosul
O Parlamento Europeu possui poder de veto sobre acordos de comércio negociados pela UE, como o acordo com o Mercosul. Também depende do consentimento da instituição a aplicação provisória dos acordos. O voto no Parlamento ocorre após a assinatura no Conselho, que no caso do Mercosul é esperada para o próximo ano. Nesse processo, o Comitê INTA é responsável por produzir e aprovar um relatório sobre o acordo, que informará os demais eurodeputados para o voto em plenário.
Após reeleger o deputado de centro-esquerda Bernd Lange (S&D, Alemanha) para a presidência do comitê em sessão do dia 10 de julho, deputados da INTA elegeram os quatro vice-presidentes que comandarão o comitê na primeira metade desta legislatura. A composição da INTA apresentou considerável renovação em relação ao mandato anterior, com cerca de 70% de seus membros novos ao comitê ou mesmo ao Parlamento.
Na atual legislatura, os grupos majoritários PPE e S&D, de centro-direita e centro-esquerda respectivamente, comandam juntos 18 votos, dois a menos que o necessário para assegurarem maioria no comitê, como faziam na legislatura anterior. Essa maior fragmentação deverá marcar o trabalho do Parlamento como um todo nos próximos cinco anos, exigindo maior articulação entre os grupos para se formar maiorias nos dossiês mais desafiadores.