Presidente eleita para executivo europeu reforça agenda progressiva



O Parlamento Europeu elegeu no dia 16 de julho a alemã Ursula Von Der Leyen para o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Apesar da articulação da candidata com segmentos conservadores do bloco para alcançar maioria entre parlamentares, Von Der Leyen priorizou temas da agenda ambiental e igualdade de gênero em seu programa para os próximos cinco anos. A criação de um cargo no alto escalão dedicado ao monitoramento de cláusulas de sustentabilidade em acordos de comércio e o desenvolvimento de uma tarifa de carbono marcaram suas propostas na agenda comercial.

Com 383 votos favoráveis – apenas nove além do necessário – a vitória de Von Der Leyen exigiu uma intensa articulação política nas duas semanas que transcorreram entre sua nomeação pelo Conselho Europeu e a votação no Parlamento. A escolha de Von Der Leyen no Conselho resultou da coalizão entre o grupo de centro-direita, o Partido Popular Europeu (PPE), o grupo liberal Renew Europe, e o grupo socialista-democrata (S&D). Apesar desse entendimento preliminar, mais de cem deputados desses mesmos grupos votaram contra Von Der Leyen ou se abstiveram de votar, em grande parte por discordarem do processo que resultou na indicação da alemã ao cargo (mais informações aqui).

Nos dias anteriores à votação em Estrasburgo, onde tem lugar a maior parte das sessões plenárias do Parlamento Europeu, o Grupo dos Verdes, que reúne em nível europeu os partidos nacionais de ideologia similar, declarou sua oposição à eleição de Von Der Leyen. Para garantir maioria no Parlamento, a candidata, cujo partido na Alemanha é parte do PPE em nível europeu, teve que articular alianças com partidos populistas e da extrema direita em países como Itália, Polônia e Hungria, o que provocou críticas em Bruxelas.

Uma das principais tarefas da Presidente eleita será montar o novo Colégio de Comissários. Em suma, cada governo nacional da UE designa um(a) representante para o cargo de Comissário(a) em Bruxelas, função que pode ser comparada à de um cargo ministerial. Cada Comissário(a) é responsável por uma pasta, cuja alocação é negociada entre o(a) presidente da Comissão e os Estados-Membros. Comissários são então sabatinados por comitês temáticos do Parlamento antes de serem votados pela instituição como um bloco só.

Igualdade de gênero e o “Green New Deal” da UE

Em seu primeiro pronunciamento após a eleição, Von Der Leyen, que é a primeira mulher a ocupar a chefia do executivo europeu, enfatizou que equilíbrio de gênero será prioritário em sua administração. “Se Estados-Membros não propuserem um número suficiente de candidatas mulheres, não hesitarei em pedir mais nomes”, afirmou Von Der Leyen. A Presidente eleita ainda declarou que entre suas prioridades está uma estratégia para assegurar equilíbrio de gênero em todos os níveis administrativos da Comissão Europeia e em conselhos corporativos do setor privado.

Von Der Leyen publicou documento no dia da votação no Parlamento delineando sua agenda para os próximos cinco anos. No material publicado, a futura presidente da Comissão reitera seu compromisso com a meta de neutralidade de carbono para a UE até 2050 e afirma ser necessário elevar a ambição de redução de emissões até 2030 de 40% para, no mínimo, 50%. No documento, Von Der Leyen antecipa que publicará uma nova estratégia “Green New Deal for Europe” nos seus primeiros cem dias de governo. A proposta deverá incluir a transposição da meta de neutralidade de carbono ao direito europeu e a apresentação de um plano de ação para a preservação da biodiversidade.

“Emissões de carbono devem ter um preço” defende Von Der Leyen no documento publicado. A Presidente eleita defendeu a expansão do regime de comércio de licenças de emissão da UE para cobrir o setor de transporte marítimo e reduzir também as quotas permitidas às linhas aéreas. De modo complementar, Von Der Leyen propõe também a criação de uma tarifa de carbono (carbon border tax). O objetivo da medida seria evitar que atividades intensivas em emissões sejam simplesmente deslocadas para fora do bloco diante do aumento dos custos das emissões na UE, com subsequente importação pelo bloco desses mesmos produtos pouco sustentáveis. A Comissão busca impedir este fenômeno, conhecido como “fuga de carbono”, ao garantir que emissões tenham um custo mais elevado para importações da mesma forma que para a produção doméstica. Esse aspecto teve particular repercussão em Bruxelas, onde um debate emergiu sobre a possibilidade de conciliação de tal sistema com as regras de comércio internacional.

Menos negociação, mais implementação

No âmbito comercial, a presidente eleita reafirmou compromisso com a rápida conclusão dos acordos com a Austrália e Nova Zelândia, atualmente em fase de negociação, e declarou que buscará novas parcerias se houver condições favoráveis. “Comércio não é um fim em si mesmo”, afirmou Von Der Leyen, “mas um meio para garantir prosperidade e exportar nossos valores através do mundo”. “Vou garantir que cada novo acordo concluído tenha um capítulo dedicado ao desenvolvimento sustentável, e os mais altos padrões climáticos, ambientais e de proteção trabalhista, com política de tolerância zero ao trabalho infantil”, afirmou a chefe do executivo europeu, sinalizando que seguirá a mesma linha iniciada pela Comissão anterior no aspecto de sustentabilidade na política comercial.

Por fim, a agenda de Von Der Leyen inclui a criação de um Chief Trade Enforcement Officer, ou seja, um oficial designado a melhorar a aplicação dos acordos de comércio e informar regularmente o Parlamento Europeu quanto à conformidade de parceiros com relação aos compromissos firmados nos acordos. A proposta respalda o que foi anunciado recentemente pela atual Comissária europeia para o Comércio, Cecilia Malmström, em evento em Bruxelas. A próxima Comissão deverá ter foco na implementação de acordos concluídos, mais que na negociação de novos acordos. A estratégia responde também a críticas por parte de parlamentares e grupos da sociedade civil de que disposições negociadas em acordos, sobretudo aquelas nos capítulos de desenvolvimento sustentável, não estariam sendo seguidas por parceiros da UE.

No mês de julho, a Comissão Europeia solicitou a abertura de um painel de experts para julgar a não ratificação por parte da Coreia de Sul de quatro convenções fundamentais da Organização Mundial do Trabalho, incluindo a proibição de trabalho forçado, compromisso firmado no acordo de comércio assinado pelo país com a UE em 2009.