Projeto de lei britânico ameaça acordo do Brexit



Projeto de lei britânico ameaça acordo do Brexit

A proposta de projeto de Lei do Mercado Interno, do primeiro-ministro Boris Johnson, apresentada no início de setembro, cria mecanismos que violariam o tratado que dispõe sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. O projeto de lei criou fricção no processo de negociações de um acordo comercial entre as duas partes.

A formalização da saída do Reino Unido da União Europeia (UE) ocorreu em 31 de janeiro de 2020, por meio da assinatura de um tratado que regula como será o relacionamento entre as partes após o desligamento britânico do bloco. Desde então, deu-se início o período de transição (até 31 de dezembro), durante o qual o Reino Unido segue participando do Mercado Comum Europeu, enquanto negocia um acordo de comércio com a UE para a relação futura.

As negociações vinham apresentando poucos avanços, mas deterioraram-se especialmente depois que o governo britânico propôs uma lei que contraria partes do acordo assinado em janeiro. Trata-se do projeto da Lei do Mercado Interno, que impacta dois pontos consensuados com a UE: o estabelecimento de controle alfandegário entre a ilha da Irlanda e a ilha da Grã-Bretanha, e o regime de subsídios estatais.

Conforme acordado com a UE, no caso de um Brexit sem acordo comercial, as mercadorias que se deslocam da Grã-Bretanha para a Irlanda do Norte estariam sujeitas a tarifas de importação. O estabelecimento de uma alfândega marítima permitiria a cobrança dos impostos sem a instalação de controles de fronteira entre a Irlanda do Norte (que é parte do Reino Unido) e a Irlanda (que é parte da UE). A livre circulação entre as Irlandas faz parte de um acordo de paz celebrado em 1998, que garante a estabilidade política na região.

Entretanto, o projeto de lei britânico, que estabelece regras para o mercado interno do Reino Unido, garante a livre circulação entre Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Isto é, descarta a possibilidade de controle marítimo entre as ilhas, o que, na ausência de um acordo com a UE, implicaria na transferência dos controles alfandegários para a fronteira irlandesa. Além disso, a lei afirma explicitamente que sua aplicação independe da compatibilidade com o direito internacional.

Outro ponto sensível que a proposta legislativa pode afetar são os dispositivos sobre auxílios estatais. O acordo entre Reino Unido e UE prevê igualdade de condições entre empresas das duas partes, o que implicaria garantir que as empresas de um lado não tenham vantagens injustas sobre seus concorrentes do outro lado. A Lei do Mercado Interno, entretanto, não leva em consideração esse compromisso e dispõe sobre incentivos econômicos a empresas da Irlanda do Norte.

O projeto de lei britânico já foi aprovado pela Câmara Baixa e atualmente está em discussão na Câmara Alta. Mesmo depois do pedido da UE para que o Reino Unido emendasse a proposta legislativa, Boris Johnson não recuou, de modo que a Comissão Europeia iniciou procedimentos legais contra o parceiro. Se o Reino Unido de fato promulgar a lei, o conflito poderá levar a um processo judicial no Tribunal de Justiça Europeu.

Desde então, a Comissão Europeia e o governo britânico intensificaram o diálogo para selar o acordo comercial. A iniciativa de Johnson, contudo, ao desconsiderar compromissos já assumidos, fragilizou a confiança nas negociações. Caso UE e Reino Unido não cheguem a um entendimento até novembro, o relacionamento bilateral passará a ser regido pelas normas gerais da Organização Mundial do Comércio (OMC).