Relações bilaterais com os Estados Unidos e o sistema multilateral



A nova administração de Joe Biden nos Estados Unidos foi inaugurada no dia 21 de janeiro, e são grandes as expectativas de que a cooperação seja reativada entre o país e a União Europeia. Durante a conferência internacional para cooperação geopolítica e estratégia, o Munich Security Conference 2021, Charles Michel, Presidente do Conselho da União, saudou de forma figurada a volta dos Estados Unidos ao sistema internacional: “Welcome back, America”.

Contenciosos bilaterais existentes devem testar, contudo, o novo tom da parceria transatlântica. Airbus e Boeing se acusam mutualmente sobre o emprego de subsídios acionáveis e passíveis de remediação de acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Após ganhar o direito retaliatório na OMC, os Estados Unidos aplicam, hoje, tarifas de 25% contra produtos europeus de variadas origens: partes de aviões, vinhos, queijos, azeites, biscoitos, laticínios, café, facas, maquinários, entre outros. Negociações recentes falharam ao tentar trazer as políticas de subsídios industriais dos países em conformidade, e espera-se que o diálogo seja facilitado a partir de 2021.

Sob pretextos da Lei de Segurança Nacional, os Estados Unidos aplicam, desde 2018, tarifas às importações, de todas as origens, de alumínio e aço (10% e 25%). A União Europeia e outros países questionam a legalidade da medida na OMC e, concomitantemente, o Embaixador do bloco nos Estados Unidos, Stavros Lambrinidis, convidou o recém-empossado Biden a retirar as tarifas e destravar os setores que dependem do comércio desses produtos nas economias europeia e americana.

No cenário multilateral, o Órgão de Apelação da OMC, que é a última instância do sistema de solução de controvérsias da instituição, está com as atividades interrompidas desde dezembro de 2019. Desde então, a corte deixou de contar com o número mínimo de juízes necessário para seu funcionamento, e os Estados Unidos têm se negado a participar do processo de nomeação de novos integrantes. Ainda em janeiro, após o início do governo Biden, diplomatas americanos locados na instituição em Genebra indicaram que a reforma da OMC deve preceder à nomeação de novos juízes ao Órgão de Apelação.

A reforma da OMC, cujo comando foi recentemente assumido pela nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, é tema recorrente no debate comercial nos Estados Unidos e na Europa. Essas discussões giram em torno de temas considerados práticos, como o mandato de juízes e prazos do sistema de solução de controvérsias, até assuntos estruturantes da própria organização, como a inclusão de negociações à la carte e o fim do single undertaking para conclusão de acordos.

Negociações à la carte permitiriam que países escolhessem quais aspectos de um pacote de negociação desejam aderir, como já funciona com as negociações plurilaterais nas quais os países acedem de forma voluntária. Já aquelas consideradas multilaterais, envolvem todos os países membros da instituição, e eventuais bloqueios de agenda são comuns. Já o single undertaking é a forma de negociação baseada na premissa de que “nada será acordado até que tudo seja acordado”. Se por um lado essa premissa evita que uma negociação seja desmembrada segundo o interesse de países mais influentes, o que seria prejudicial àqueles de menor desenvolvimento relativo, o modelo tem se tornado um empecilho para o avanço de algumas pautas.