UE-Mercosul: Comissão aventa conclusão do acordo sob o atual mandato



As negociações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia voltaram à luz dos holofotes em Bruxelas, após meses abaixo do radar. Declarações da Comissária europeia para o comércio elevaram expectativas quanto à conclusão de um acordo político na próxima rodada de negociações. Em reação, o braço agrícola do executivo europeu voltou a pedir cautela.

Segundo Cecilia Malmström, Comissária europeia para o comércio, a próxima rodada de negociações, prevista para junho, poderia ser elevada a encontro ministerial, na qual ela e o Comissário europeu para agricultura, Phil Hogan, se reuniriam com ministros dos países do Mercosul. As declarações foram concedidas às margens da reunião ministerial da OCDE, no dia 22 de maio, em Paris, onde a chefe da pasta comercial do bloco aproveitou para encontrar-se com o chanceler Ernesto Araújo.

No dia 24 de maio, em encontro com grupos da sociedade civil em Bruxelas, a Comissária voltou a defender as negociações frente a críticas de líderes agrícolas do bloco (mais detalhes aqui). “Este é um acordo muito importante, inclusive para a agricultura europeia”, afirmou. Questionada pela imprensa sobre uma possível data para o acordo político após reunião com os ministros de comércio, Malmström evitou previsões detalhadas, mas voltou a enfatizar que “muito” progresso havia sido alcançado nos últimos meses.

As declarações de Malmström corroboram o pronunciamento de Jean-Luc Demarty, Diretor-Geral da pasta comercial da Comissão Europeia, de que haveria uma “janela de oportunidade” para a conclusão do acordo entre as eleições europeias, de 23 a 26 de maio, e o fim do mandato da atual Comissão. Apesar de possíveis atrasos na escolha do(a) próximo(a) presidente da Comissão, e consequente prorrogação da atual administração por alguns meses, outubro seria visto pela UE como prazo crítico na conclusão do acordo devido às eleições presidenciais na Argentina e no Uruguai, que ocorrerão no dia 27 de outubro.

“Não sou um otimista natural, mas estou otimista sobre esta possibilidade”, afirmou Demarty, que é atualmente um dos oficiais de maior senioridade na Comissão Europeia, tendo liderado o departamento comercial da Instituição (DG TRADE) desde 2011 e o Departamento Agrícola (DG AGRI) entre 2005 e 2010. O Diretor-Geral, que em junho será substituído pela chefe adjunta nas negociações Brexit, Sabine Weyand, justificou sua posição com o que avaliou ser uma postura favorável ao comércio no novo governo brasileiro, mas alertou que, para um acordo ocorrer, o Brasil deve manter seu compromisso com a proteção ambiental e os direitos trabalhistas.

Ao abordar as resistências do lado europeu no tocante à agricultura, Demarty minimizou o impacto de interesses contrários ao acordo, que categorizou como “gerenciáveis”. “Fomos capazes de fazê-lo no passado” lembrou, em alusão a outros acordos negociados pela UE que envolveram concessões em produtos agrícolas.

 Agricultura mantém resistência

 Diante de rumores em Bruxelas de que um acordo poderia ser firmado nos próximos meses, o Comissário europeu para agricultura, Phil Hogan, moderou expectativas em conferência de imprensa após reunião do conselho de ministros em Bruxelas. “Não acho que estamos lá ainda […] há uma lacuna ainda não preenchida, e se não for preenchida não haverá acordo” declarou o Comissário irlandês.

Na ocasião, Hogan atualizou os ministros da agricultura dos 28 Estados-membros sobre o andamento das negociações comerciais conduzidas pelo bloco. Representantes presentes demandaram que a Comissão desista de concessões em produtos considerados sensíveis na UE, como carne bovina, laticínios, aves e arroz. Reiterando demanda já apresentada no Conselho de Agricultura no passado, algumas delegações exigiram que o efeito de concessões agrícolas em acordos de comércio seja levado em conta de forma cumulativa e não isolada.

Em sua intervenção no debate, o representante irlandês afirmou ser “irônico” que a discussão sobre a contribuição da agricultura para o cumprimento do Acordo de Paris tenha lugar no conselho ao mesmo tempo em que se avaliam impactos de um acordo de comércio com o Mercosul. O diplomata questionou se deveriam ser autorizadas importações de carne bovina do bloco sul-americano, sobretudo no contexto de saída do Reino Unido do bloco.

Ambivalência marca posicionamento francês

A contradição entre os departamentos comercial e agrícola não é limitada à Comissão Europeia. Na França, maior produtora de carne bovina na UE, também foram expostas posições distintas dentro do governo de Emmanuel Macron. Em entrevista, o Ministro da Economia do país, Bruno Le Maire, declarou que o país seria favorável ao acordo com o Mercosul. Na mesma linha de argumentação da Comissária Malmström, Le Maire defende que questões ambientais sejam resolvidas por meio da melhor aplicação de cláusulas de desenvolvimento sustentável em um acordo, e não pela suspensão do diálogo.

O Ministro da Agricultura da França, porém, emitiu nota no último dia 23 de maio, na qual afirmou que a França “não ratificará nenhum acordo que prejudique interesses de agricultores e consumidores […] e nossos compromissos sob o Acordo de Paris”. A nota vem dois dias após entrevista do Ministro à rádio francesa, na qual afirmou que acordos de comércio não podem ser concluídos em detrimento de padrões europeus e que a Europa estaria sendo “ingênua” nesta questão. Para Guillaume, essa seria a razão pela qual “dizemos não a acordos com o Mercosul […] porque não queremos carne com hormônios”.

As declarações do Ministro ocorreram na reta final da campanha eleitoral europeia. O manifesto de campanha do grupo liderado por Emmanuel Macron, chamado Renaissance, trata política comercial com cautela, defendendo que a UE se recuse a assinar acordos de livre comércio com países que não respeitem o Acordo de Paris.

Após declarações de Cecilia Malmström em Paris, Jordan Bardella, líder do grupo de extrema direita da França, Rassemblement National, acusou em tuíte a Comissão Europeia de “apressar-se para concluir com o Mercosul o maior acordo de comércio já assinado pela UE” e alertou que “consequências seriam sérias, especialmente para agricultores”. O Rassemblement National logrou o maior número de votos na França para as eleições europeias, superando o grupo de Emmanuel Macron.