TBT em Pauta – Edição 6 – O CBAM e a discussão sobre barreiras técnicas: como impactam exportações brasileiras?
O contexto de introdução do CBAM
As preocupações com o efeito das mudanças climáticas têm gerado a necessidade de desenvolver sistemas para o controle de emissões de gases de efeito estufa (GHG, da sigla em inglês greenhouse gases) nos processos produtivos, no comércio de bens e nas atividades conexas, como a logística. Autoridades regulatórias vêm sendo estimuladas a agir, para que os sistemas regulatórios nacionais e o arcabouço do comércio internacional englobem, em seus regulamentos, questões relacionadas às emissões de GHG. Países desenvolvidos, como os Estados Unidos (EUA) e os membros da União Europeia (UE), assumiram a liderança deste processo.
Desde 2005, a UE adota um sistema de comércio de licenças de emissões (ETS, do termo inglês Emission Trading System) com objetivo de adequar seus sistemas produtivos às suas metas de redução de emissões até 2030. Para que setores mais poluentes tivessem um tempo maior de adaptação, o ETS incluiu as permissões especiais (free allowances).
Com o tempo, a UE identificou a necessidade de fazer ajustes em seu ETS, devido à preocupação com o chamado “vazamento de carbono (carbon leakage)”, dinâmica que frustraria os esforços para reduzir as emissões de GHG. Esses vazamentos decorreriam de dois tipos de processos:
- a realocação da produção existente e a realização de novos investimentos para jurisdições onde os custos decorrentes das políticas climáticas são menores; e
- aumento das emissões gerais, pois produtos com menor teor de carbono, provenientes de jurisdições com regulamentação climática mais rigorosa, acabam não conseguindo competir nos mercados globais, sendo substituídos por produtos mais intensivos em carbono provenientes de jurisdições que têm restrições de carbono menos rigorosas.
O que é o CBAM?
Nesse contexto, o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM, da sigla em inglês) foi concebido com o objetivo de corrigir os vazamentos de carbono e regular o comércio de emissões integralmente, atingindo principalmente o mercado de produtos com permissão especial. Desse modo, o CBAM pode ser entendido como mecanismo para a equalizar o preço do carbono pago pelos produtos que operam sob o ETS da UE e o preço do carbono pago pelos produtos importados (que operam sob outras regras).
Assim, todos os produtos exportados para a UE precisarão, a partir da entrada em vigor do CBAM, apresentar certificados de emissões compatíveis com a metodologia de cálculo do bloco e, quando houver diferença no nível de emissões ou incompatibilidade metodológica, pagar pelo “certificado CBAM”.
As permissões especiais do ETS concedidas aos setores mais poluentes serão eliminadas gradativamente entre 2026 e 2034. O CBAM, por sua vez, será implementado paralelamente, à medida que as permissões especiais deixem de vigorar.
Quais setores serão afetados?
A partir de outubro de 2023, o CBAM será aplicado às importações europeias de: cimento, ferro, aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade, hidrogênio e alguns produtos acabados, como parafusos, porcas e outros artigos de ferro ou aço). Além desses, outros grupos de produtos poderão ser alcançados pelo CBAM futuramente. A decisão sobre a inclusão de produtos químicos orgânicos e polímeros foi postergada e deve ocorrer até 2026.
Em 2022, o Brasil exportou, para a UE, aproximadamente R$ 2,5 bilhões de produtos (em nível SH6) incluídos no CBAM (a lista de todos os códigos pode ser vista aqui). Dos produtos potencialmente afetados, os seguintes são os mais representativos na pauta de exportação brasileira para o bloco europeu:
A relação entre o CBAM e as regras TBT da OMC
O CBAM terá relação direta com princípios e dispositivos contidos no Acordo sobre Barreiras Técnicas da Organização Mundial do Comércio (Acordo TBT da OMC). O certificado de emissões exigido pelo CBAM, por exemplo, dependerá de algum procedimento de avaliação da conformidade (PAC), por meio de um selo ou programa de certificação. Além de conter regras sobre a operacionalização de um PAC, o Anexo 1.3 do Acordo TBT o define como “qualquer procedimento utilizado direta ou indiretamente para determinar que as prescrições pertinentes de regulamentos técnicos ou normas são cumpridas”.
Espera-se que outros pontos do CBAM também estejam alinhados às regras da OMC:
- Metodologia de cálculo das emissões. Permanece a incerteza sobre qual será a norma usada para os cálculos. Em torno deste tema está a discussão sobre o uso de normas internacionais, de modo a não criar barreiras desnecessárias ao comércio;
- Tratamento dos produtos importados. Para não violar o princípio do tratamento nacional, o CBAM precisará garantir que os impostos sobre carbono pago pelos produtos estrangeiros não sejam mais onerosos do que aqueles pagos pelo produto doméstico;
- Custo do certificado. Os produtos importados terão que pagar uma taxa quando as metodologias de cálculo não forem compatíveis, o que pode levar a questionamentos sobre a desproporcionalidade do encargo e a discriminação dos produtos importados.
Mesmo que se possa alegar, eventualmente, inconsistências entre o CBAM e as regras da OMC, estas poderiam ser, em tese, rebatidas por meio das exceções gerais do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) ou do Acordo TBT que permitem, combinadas, a adoção de medidas para proteção da saúde humana, animal e vegetal, e para a conservação de recursos naturais não renováveis.
Oportunidades e Desafios para o exportador brasileiro
No período de transição de implementação do CBAM, que vai de 1 de outubro de 2023 até 31 de dezembro de 2025, haverá apenas a exigência de um reporte periódico sobre as emissões de GHG embutidas (pegada de carbono) nos produtos importados. O relatório será exigido da parte europeia, mas o custo de preparar os dados sobre as emissões tende a recair sobre produtores e exportadores no país de origem. É importante ressaltar que o relatório para o CBAM deve conter dados de emissão de GHG por produto, e não por instalação produtiva; o que pode envolver custos para adaptação das medições.
A partir de 2026, além do reporte periódico, a parte europeia (que será a declarante do CBAM) também deverá comprar “certificados CBAM” para compensar eventuais diferenças nas pegadas de carbono entre o produto doméstico e o produto importado. O preço dos “certificados CBAM” estará ligado aos preços do carbono no ETS (atualmente acima dos 80 euros por tonelada de CO2).
Assim, atender às exigências de reporte do CBAM pode representar um custo adicional para as exportações ao mercado europeu. Apesar disso, oportunidades de exportação também podem surgir, caso o produto da empresa seja menos intensivo em emissão de carbono quando comparado à média da indústria.
O que o setor produtivo e o governo podem fazer para mitigar efeitos
As empresas brasileiras devem considerar, desde já, uma série de medidas para mitigar os efeitos do mecanismo sobre suas vendas. Em primeiro lugar, a empresa deve verificar se os códigos dos produtos que exporta estão, de fato, no escopo do CBAM. Em caso positivo, o passo seguinte seria preparar-se para o reporte de emissões de GHG atrelados aos produtos em questão. Essa preparação pode exigir o desenvolvimento de processos internos e de sistemas de tecnologia da informação para monitoramento. Deve-se considerar a metodologia de cálculo a ser recomendada pela UE, de modo a cumprir as exigências do CBAM. No médio/longo prazo, a empresa pode considerar avaliar se o seu processo produtivo, em termos de intensividade em emissões de GHG, está alinhado ao desempenho médio do setor, para então fazer as adequações necessárias.
O Inmetro e o governo poderão contribuir com o setor produtivo no cumprimento aos dispositivos do CBAM, pelo uso das ferramentas de infraestrutura da qualidade, com estratégias para a comprovação das emissões via certificados, dando credibilidade às medições e metodologias para cálculo das emissões e por meio de processos de reconhecimento dos certificados nacionais, o que poderá ser feito em parceria com organismos congêneres da UE, EUA e mercados de interesse.
No âmbito internacional, o Inmetro, como Ponto Focal do Brasil para o Acordo TBT, continuará transmitindo as dúvidas e queixas do setor produtivo para o cumprimento dos princípios do Acordo (conferir 1ª edição do TBT em Pauta) pela contraparte europeia, no contexto do Comitê TBT da OMC e dos diversos foros de negociação nos quais o Brasil participa.
A ApexBrasil, por sua vez, poderá contribuir com o fornecimento de capacitações e estudos voltados ao setor produtivo, os quais são divulgados em seu portal. Além disso, ambas as instituições contam com serviço de atendimento às empresas para informações e resolução de dúvidas, por meio dos seguintes canais: barreirastecnicas@inmetro.gov.br e apexbrasil@apexbrasil.com.br.
Conclusão
O CBAM visa impor uma tributação na fronteira sobre importações de produtos intensivos em carbono, quando produzidos em países considerados como tendo metas e práticas ambientais menos ambiciosas do que aquelas aplicadas na UE, “ajustando” o preço entre o produto local e o importado. O exportador brasileiro deve estar atento, mesmo que não atue no mercado europeu. Mecanismos como o CBAM da UE podem confirmar-se como uma tendência em mercados desenvolvidos. Um mecanismo semelhante já vem sendo discutido nos EUA e no Canadá.